sábado, 9 de maio de 2015

É MESMO ERRADO MUDAR A TRAMA DE BABILÔNIA?

Depois de um beijão entre duas das maiores atrizes brasileiras, idosas, no seu primeiro capítulo, Babilônia (Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga) vai eliminar a trama em que Marcos Pasquim revela-se gay. Os ânimos estão exaltados na militância online. Fala-se em boicote dos LGBTs à novela, assim como os evangélicos resolveram boicotá-la depois do beijo entre Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg.

A telenovela é um produto formado por uma tensão constante entre autor, público e emissora. Na história dos folhetins, essa tensão já gerou muitos resultados bons e ruins. Em Torre de Babel (1998-1999), as personagens de Silvia Phipher e Christiane Torloni, criadas por Sílvio de Abreu, foram mortas na explosão de um shopping, por determinação da Globo, depois de uma má aceitação delas por parte do público. Em América (2005), de Glória Perez, uma cena de beijo entre Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro chegou a ser gravada, mas a emissora, em meio a um público dividido, não permitiu que ela fosse ao ar. Em Amor à Vida (2013-2014), foi o público, através das redes sociais e até de telefonemas para a emissora, quem fez com que a Globo permitisse a cena de beijo entre Thiago Fragoso e Mateus Solano, escrita por Walcyr Carrasco.

Dez anos depois da proibição do beijo no último capítulo de América e dois anos depois da permissão do beijo no último capítulo de Viver a Vida, um beijo foi permitido no primeiro capítulo de Babilônia. É curioso que Torre de Babel e Babilônia façam referência a passagens bíblicas relacionadas ao pecado. De Torre de Babel, com a morte de duas lésbicas, para Babilônia, com o beijo entre elas logo de cara, passaram-se dezessete anos. As relações entre autor, público e emissora mudaram progressivamente nesse período.

Nos últimos anos, a problematização do preconceito e violência contra LGBTs tem estado sempre presente nas telenovelas. No horário das vinte e uma horas especialmente. Salve Jorge (2012-2013, Glória Perez) teve o tráfico de uma transexual brasileira para a Turquia, interpretada por uma atriz trans. Depois veio Amor à Vida. Em Família (2014, Manoel Carlos) teve o primeiro beijo entre duas lésbicas nessas novelas. Império (2014-2015 Aguinaldo Silva) teve a personagem queer Xana Summer.

A emissora Globo não é militante LGBT. Mas os autores de suas telenovelas são. A emissora está preocupada com a audiência, o que é normal e esperado. Ela é uma empresa, com fins lucrativos. Mas os autores estão preocupados em contribuir para a conquista de direitos e reconhecimentos de LGBTs. Em todas as disputas entre os dois, quem faz com que a coisa tenda para um lado ou para o outro é o público. Uma emissora de TV, que conta com uma concessão pública, deve ser socialmente responsável. A Globo não é uma heroína, mas tem proporcionado uma contribuição importante nas conquistas de reconhecimento de LGBTs nos últimos anos, apesar das limitações de alcance estabelecidas.

Nem Babilônia, nem seus autores, nem a Globo, devem ser vistos como monstros por eliminarem a homossexualidade do personagem de Marcos Pasquim. É uma pena que isso tenha acontecido, mas foi um ajuste razoável para conter os ânimos. Adianta forçar pela goela do público conservador um número saturado de tramas sobre essa questão? Isso faz com que esse público deixe de assistir o produto, deixando também de ser atingido por ele. Faz com que esse público se organize contra esse produto, reforçando seu próprio ódio e oposição aos direitos de LGBTs. Um equilíbrio tem que ser alcançado, para que esse público seja atingido positivamente, e com isso repense o ódio e a oposição que tem exercido. É preciso pensar de forma estratégica e não apenas emocional.

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