Quem me conhece sabe que mais do que uma indignação por causa das reações negativas à novela Babilônia por parte de perspectivas evangélicas, o que eu estou sentindo é uma profunda tristeza pelo aumento da rivalidade entre grupos que acontecimentos como esse provocam. O que eu gostaria não é calar a boca dos evangélicos. O que eu gostaria é que isso não incomodasse tanto.
Mas como conseguir avanços políticos sem incomodar? Em alguns momentos, esfregar uma realidade diferente na cara de alguém é necessário para se impor, para mostrar que os seus direitos são maiores e mais importantes que os valores dos outros. Mas quais as consequências dessa estratégia?
Para os sujeitos diretamente implicados, isso significa um aumento muito grande na auto-estima deles. Homens e mulheres homossexuais passam a se sentir muito mais seguros para dar beijos em público depois que personagens da novela das nove fazem isso em frente a todo o país. Por muito tempo prevaleceu a lógica do armário para a homoafetividade: "Se quer fazer sem-vergonhices, que seja entre quatro paredes e não na frente dos outros". É a lógica da tolerância ao invés do respeito, em que os tolerantes ditam os limites aos tolerados. Mas na novela, não tem quatro paredes: os ambientes privados dos personagens são públicos para todos.
Para os sujeitos com perspectivas fortemente contrárias, a reação é de indignação. Antes de contribuir para a aceitação da homossexualidade por parte desses sujeitos, a exposição de um beijo no primeiro capítulo de uma novela das nove entre duas senhoras, sendo uma delas a atriz mais reconhecida do país, é um combustível potente para alimentar o ódio.
Para sujeitos com posicionamentos pouco inflamados em relação ao tema, a maré é quem vai conduzindo as leituras. O esperado beijo entre Félix e Niko, em Amor à Vida, foi inevitavelmente visto com maus olhos por grupos evangélicos. Mas eu pessoalmente presenciei brilhos nos olhos e sorrisos nos lábios de sujeitos não-LGBTs durante a cena. Do ponto de vista de estratégias comunicativas, aquele momento foi sem dúvida uma vitória sem precedentes.
O beijo entre Fernanda Montenegro e Natália Timberg teve uma natureza bem diferente. Veio antes das personagens, se impôs de forma muito menos digestível e palatável. Desceu amargo. Causou refluxo. Gerou uma sensação de se querer fazer descer algo pela guela do outro. Aí foi a indignação de grupos evangélicos e não a legitimidade do amor entre dois sujeitos quaisquer o que gritou e tocou o público amplo. A meu ver, demos um tiro no pé.
Supostamente, o beijo entre as personagens deveria expressar a naturalidade do afeto entre pessoas do mesmo sexo. Mas foi por isso mesmo que aquele beijo foi colocado ali? Ou a intenção era outra: causar a partir da não-naturalidade do proposto natural?
Acho que o momento é propício para que repensemos nossas estratégias de ação. Para termos reconhecimento público não temos que recrudescer inimigos, temos que conquistar e fortalecer aliados. Nem hoje, nem amanhã vamos conseguir que Silas Malafaia e sua trupe nos reconheçam. Quem temos que ganhar são os sujeitos não-LGBTs e não-evangélicos e os evangélicos não-fundamentalistas. É trazendo esses para o nosso lado e não dando a faca e o queijo na mão de Silas para levá-los para o lado de lá, é que vamos enfraquecer essa perspectiva.
Isso não significa voltar atrás nas conquistas. Parar os beijos. Significa pensar em como fazê-los de maneira mais estratégica.
Concordo totalmente.
ResponderExcluirMas o que me indigna mais é que 70% dos autores de novela, e de novelas das nove, são gays, e mesmo assim não percebo muito preocupação deles em expor, abordar personagens gays aos poucos, ou com uma imagem positiva: É logo um gay submisso e fútil, como o crô do marcelo serrado e do aguinaldo, é um gay mal caráter como o félix do mateus solano e do walcir, ou é um jornalista gay caricato de fofocas do paulo betti e do mesmíssimo aguinaldo..
Enfim, exigir utilidade social em telenovelas é um pouco ingênuo e frustrante.