Socialmente falando, todo mundo nasce hétero, ou melhor, todo mundo é hétero até que se insinue o contrário. Quando um menino nasce, seus pais conjecturam sobre suas futuras namoradas. Quando ele se torna adolescente e chega em casa acompanhado de uma namorada, a situação transcorre naturalmente. Ninguém conta para os pais que é hétero. Ninguém se pergunta se o filho é hétero. As pessoas contam para os pais é que são gays, e é isso o que os pais se perguntam caso pareça que o filho não esteja seguindo o caminho “natural”, caso desconfiem que é filho é “diferente dos outros”.
Por tudo isso, o armário é inevitável. Todo gay já nasce dentro do armário e pode ou não continuar dentro dele. Mas se quiser sair, tem que fazer um esforço, porque praticamente ninguém que se importa com ele quer vê-lo do lado de fora. É bem verdade que ficar do lado de dentro também requer esforço, porque tem gente babaca que quer abrir a porta do seu armário só para te expor, para te “sacanear”, para ver você “se ferrar”. Além disso, manter-se intencionalmente no armário custa boas doses de mentira e omissão.
Para alguns é mais fácil se manter dentro do armário do que para outros. É certo que nem todo menino “afeminado” é gay, e nem todo menino gay é “afeminado”. Mas para o senso comum, as duas características são quase sempre sinônimas. Assim, se um gay é “afeminado”, se é um “viadinho”, uma “bichinha”, o que mais var ter é gente tentando tirar ele do armário antes mesmo de ele saber que está lá dentro.
Quando um menino é “afeminado”, ele é “xingado” de “mulherzinha”. O feminino é geralmente visto como índice de desvalorização, de humilhação, e o alvo dos “xingamentos” logo percebe isso e interioriza a “culpa”, a “vergonha” por ser “afeminado”, “viadinho”, “bichinha”. Nem sempre esse menino é gay, mas é ele quem paga o pato. Às vezes, um ou outro entre os meninos que estão “xingando” é que são gays, mas por serem másculos, ninguém desconfia disso. Às vezes, eles “xingam” o “afeminado” justamente para encobrirem seu próprio desejo. Mesmo quando um gay não é “afeminado”, mas também não hostiliza quem é, ele vê como o “afeminado” é tratado e sente medo, com razão, de ser tratado da mesma forma caso seja descoberto.
Na verdade, o próprio gay tem que se descobrir primeiro. Assim como os outros não sabem que ele é gay, ele também não sabe a princípio. Em algum momento, ele percebe que sente desejo por outros meninos, aí é que ele percebe que é gay. Geralmente, a tendência é de reprimir o desejo, já que ele é apontado como errado, como antinatural. Mas com o tempo, o menino se vê obrigado a perceber que não adianta tentar reprimi-lo.
Na verdade, o próprio gay tem que se descobrir primeiro. Assim como os outros não sabem que ele é gay, ele também não sabe a princípio. Em algum momento, ele percebe que sente desejo por outros meninos, aí é que ele percebe que é gay. Geralmente, a tendência é de reprimir o desejo, já que ele é apontado como errado, como antinatural. Mas com o tempo, o menino se vê obrigado a perceber que não adianta tentar reprimi-lo.
Quando a gente é criança ou adolescente, muitas vezes a gente não está preparado para desagradar os outros, para desafiá-los. A gente é muito dependente da aprovação dos outros. Por isso, a gente costuma mentir muito para encobrir tudo o que a gente faz que é considerado errado, que os outros não querem que a gente faça. Daí quando a gente faz “arte”, faz bagunça, a gente fala que foi o irmão mais novo, que não sabe de nada, nega até a morte. A gente não quer o castigo, a gente não quer apanhar, o que é muito natural.
Em muitos momentos, a gente quer o melhor dos dois mundos: poder fazer a “arte”, o errado, o proibido, e não arcar com as consequências disso, sendo visto como o bom menino, e recebendo as recompensas que isso traz. Quando a gente vira adulto, tem gente que muda, e tem gente que não. Tem gente que passa a achar necessário ser responsável pelo que faz. Que passa a achar correto assumir suas próprias ações, impô-las aos outros e dar a cara a tapa, arcando com as consequências disso. Tem gente que continua pensando como uma criança ou um adolescente que tem medo de ser castigado.
Quando uma pessoa capaz de escolher como se portar esconde algo que faz, em algum lugar dentro dela, ela concorda que não deveria estar fazendo isso, que o que ela está fazendo é errado. Se ela tem certeza de que o que ela está fazendo é o certo, ela quer convencer as pessoas disso, ela não abaixa a cabeça quando elas falam para ela não fazer isso.
Assim é o armário. Quando uma pessoa escolhe continuar dentro dele, ela pode não admitir, mas ela acha, ou pelo menos tem dúvidas a respeito, que sentir desejo por pessoas do mesmo gênero é errado. Ela tem medo da desaprovação dos outros, das consequências que isso irá trazer para ela. Ela quer o melhor dos dois mundos: poder continuar fazendo o errado e poder continuar sendo visto como o bom moço e colhendo os privilégios que isso traz.
Não é fácil sair do armário. As pessoas choram, ficam decepcionadas, se afastam de você, te veem com maus olhos. Mesmo para quem está convicto de que vai sair, o medo e a vacilação na hora de fazer isso são inevitáveis. É bastante compreensível que alguém queira se manter dentro do armário. Mas ao mesmo tempo é indicativo de uma fraqueza, de uma falta de coragem e responsabilidade.
Minha opinião é difícil de se escutar para quem está no armário, machuca, mas é uma dor que pode libertar... Eu não admiro quem escolhe ficar dentro do armário. Pelo contrário, eu acho que essa pessoa está sendo fraca...
Alguém poderia argumentar que não sai do armário para os pais para evitar causar-lhes uma dor, um sofrimento "desnecessário". Eu entendo esse argumento, e inclusive respeito, apesar de não concordar com ele. Acho que tentar evitar que o outro cresça, que se torne alguém melhor, que deixe de fazer ou de pensar algo errado, violento, de sentir ódio, é também estar sendo fraco. Apesar de uma possível sincera boa intenção, é preciso força para saber que o outro precisa passar por aquilo.
Alguém poderia argumentar que não sai do armário para os pais para evitar causar-lhes uma dor, um sofrimento "desnecessário". Eu entendo esse argumento, e inclusive respeito, apesar de não concordar com ele. Acho que tentar evitar que o outro cresça, que se torne alguém melhor, que deixe de fazer ou de pensar algo errado, violento, de sentir ódio, é também estar sendo fraco. Apesar de uma possível sincera boa intenção, é preciso força para saber que o outro precisa passar por aquilo.
Além disso, quem escolhe ficar dentro do armário arrasta um monte de pessoas para dentro do armário junto consigo. As pessoas que sabem, mas não podem revelar isso a ninguém, as pessoas que se tornam cúmplices do armário do outro, mesmo sem desejar.
Eu escolhi não ficar dentro do meu armário. Eu não tive uma margem de escolha larga, uma vez que sempre fui apontado como o “viadinho”, a “bichinha”, o “afeminado”. Mas mesmo pessoas como eu, precisam sair do armário, caso desejem fazer isso. É preciso abrir o jogo para os pais, ter coragem para levar o namorado na festa da família, para apresentá-lo aos familiares como tal, para andar de mãos dadas na rua.
Mesmo quando quase todo mundo já sabe que você é gay, quase todos que se importam com você não querem que você revele isso, porque assim como quem escolhe ficar no armário, quem se importa com você geralmente tem medo das consequências que você vai sofrer por sair dele.
Mas você não escolhe sair do armário dos outros. Só do seu próprio. Sair do armário é uma prerrogativa de quem é dono dele. Mesmo que alguém conte para os outros que você é gay, você só sai do armário quando confirma isso. Porém as consequências do armário não recaem apenas sobre quem é o dono dele, mas também sobre todo mundo que ele leva para o lado de dentro.
As consequências do armário existem, assim como as consequências de se estar do lado de fora. A consequência de se estar do lado de dentro é ter que mentir, que omitir, que se esconder, que viver na clandestinidade, nas sombras, nos guetos.
Quando alguém está no armário e namora, ele e o namorado precisam fingir que são só amigos. Os amigos dos dois também tem que fingir o mesmo. Para tanto, muitas vezes é preciso não só omitir, mas também mentir. É preciso inventar desculpas, dizer que se está num lugar quando se está em outro, que se está fazendo alguma coisa quando se está fazendo outra. E não só os dois precisam fazer isso, mas frequentemente também os amigos, que se veem obrigados a confirmar essas histórias.
Eu escolhi viver fora do armário. Fora do meu armário. Mas eu não posso escolher viver fora do armário dos outros. Sejam os outros um namorado ou um amigo.
É importante para mim viver fora do armário, porque é importante para mim que eu próprio me veja e veja as minhas ações como naturais, como corretas, como algo que não precisa ser escondido. Se eu gosto de andar de mãos dadas na rua, não é para que os outros vejam, é para que eu sinta que o meu relacionamento é tão normal e tão correto quanto qualquer outro.
Se eu não posso andar de mãos dadas por escolha do outro, eu me sinto mal, porque eu sinto que o outro vê aquela ação como errada, ou pelo menos que tem medo de estar comigo, e eu não gosto e não desejo que alguém que esteja comigo veja o que nós dois temos como algo errado, nem que tenha medo de estar comigo.
Eu já apanhei na rua por ser gay. Eu sei que isso pode acontecer de novo. Mas eu faço questão de me impor, porque eu sei que o correto sou eu, e não os outros.
Se alguém que eu gosto está no armário e me leva para o armário dele junto consigo, eu me sinto mal. Porque eu sinto que ele vê o que eu sou, o que eu faço, como algo errado. E eu não quero que as pessoas que eu gosto tenham vergonha de mim, que eles não me deem apoio, suporte para ser quem eu sou. Mas não tem jeito. Querendo ou não eu tenho que ficar dentro do armário dessas pessoas.
Eu não cobro, nem pressiono para que ninguém saia do seu armário. Cada um sabe de si. Cada um sabe do que é capaz, do que consegue, pode e quer fazer. Mas eu também não finjo que isso não me incomoda. Todo mundo que está no armário e convive comigo sabe que eu não gosto de ser carregado para lá.
O que eu posso fazer, e faço, é passar o menor tempo possível dentro do armário deles. Eu me nego a ser apresentado à família de alguém como amigo, quando não é essa a relação que eu tenho com a pessoa. Se não dá para me apresentar como namorado, então eu não quero ser apresentado. Isso tem consequências. A consequência de sentir que o outro tem vergonha de você, ou pelo menos medo de estar com você, a consequência de ser privado do espaço íntimo dessa pessoa, a consequência de que o outro te veja como intolerante.
Eu me nego a contar uma mentira para ajudar uma pessoa que quer ficar no armário. Eu posso omitir, e omito, mas mentir não. Está fora do que eu consigo moralmente fazer. Eu não vou mentir para que alguém continue fingindo não ser aquilo que eu sou. É humilhante demais, e se essas pessoas não conseguem respeitar completamente como eu e elas somos, elas deveriam ao menos respeitar como eu me sinto em relação a isso...
Em alguns países, ser gay é crime, dá cadeia e até pena de morte. Se essa fosse a nossa situação, eu não só mentiria para manter as pessoas dentro do armário, como eu também estaria lá. Mas não é assim para a gente. Na maior parte das vezes, sair do armário só rende caras feias...
Obviamente, em qualquer contexto, inclusive no nosso, existem crianças e adolescentes submetidos ao risco de violência doméstica por parte dos pais. Nesses casos, elas ficarem no armário não é só fácil de se compreender, como também é o melhor a se fazer, uma vez que ainda não existe a possibilidade de se alcançar a autonomia necessária para se libertar dessa situação. Mas a coisa muda de figura quando estamos falando de adultos.
Obviamente, em qualquer contexto, inclusive no nosso, existem crianças e adolescentes submetidos ao risco de violência doméstica por parte dos pais. Nesses casos, elas ficarem no armário não é só fácil de se compreender, como também é o melhor a se fazer, uma vez que ainda não existe a possibilidade de se alcançar a autonomia necessária para se libertar dessa situação. Mas a coisa muda de figura quando estamos falando de adultos.
Tem pessoas que não entendem a forma como eu ajo em relação a isso, que me acham muito radical, que acham que eu tenho a obrigação de mentir por elas. Eu explico, e se elas quiserem e conseguirem entender, ótimo. Senão, o descontentamento delas não faz com que eu me sinta mal. Pelo contrário, só me mostra que eu estou fazendo algo a favor de quem eu e ela somos.
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