domingo, 9 de novembro de 2014

RELATIVISMO, EVOLUCIONISMO E VITIMIZAÇÃO

Na faculdade, a gente é doutrinado o tempo inteiro. Doutrinado a ser de esquerda ou de direita. Doutrinado a ser construtivista ou evolucionista. Doutrinado a ser relativista ou determinista. A cabeça da gente começa a funcionar de um jeito, que a gente passa a repetir igual a um robozinho tudo o que nos ensinaram.

A gente acha que tem um pensamento crítico, porque quem nos ensinou disse que o que nos foi ensinado é algo muito crítico. A gente aprende até mesmo a criar os nossos próprios argumentos para responder aos argumentos dos outros, que a gente escuta, mas não para de verdade pra considerar, porque já tem as respostas prontas contra eles.

Recentemente, eu tenho tentado me libertar dos dogmas acadêmicos que eu tive em minha formação. Fui ensinado, por exemplo, que a vertente dos estudos de gênero que aponta como o machismo faz mal aos homens, e não apenas às mulheres, é "vitimista", porque os homens são privilegiados e as mulheres desprivilegiadas dentro do sistema da dominação masculina. Ok, isso é verdade. Mas isso anula o argumento dessa vertente? Ela diz que não é assim? Não. Eu aprendi a concordar que sim, apesar de o homem ser privilegiado, o machismo faz sim mal pra ele. Todos somos vítimas do machismo, em maior ou menor grau. As mulheres são as vítimas mais diretas, com uma intensidade de sofrimentos maiores, mas isso não quer dizer que os homens também não sofram.

Eu e a minha amiga Leslie temos conversado muito sobre essas questões. Nós havíamos sido doutrinados para sermos relativistas e construtivistas. Mas começamos a perceber que o buraco é mais em baixo. Quanto ao relativismo, passamos a nos questionar se os valores de quem corta o clitóris das mulheres de uma comunidade não eram piores dos que os dos que lutam contra eles. E chegamos à conclusão que sim. Há sim valores melhores e piores. Melhores e piores para a sociedade como um todo, e para cada um de seus indivíduos. Valores que auxiliam a nossa saúde e não a nossa auto destruição. Quanto ao evolucionismo, que descartávamos, passamos a nos questionar se a sociedade realmente não se torna melhor com o tempo e com as mudanças que se sucedem. E chegamos à conclusão que sim, a sociedade caminha para uma melhora progressiva. Isso porque a pressão dos indivíduos para que ela melhore sempre vai gerando novas soluções que vão sendo testadas e aprimoradas, de forma a gerar um resultado cada vez melhor.

Mas percebemos que essas dicotomias entre formas de ver o mundo são, muitas vezes, tão bobas quanto brigas de criança. Não é necessário jogar o bebê fora com a água do banho. Quanto ao relativismo, por exemplo, concordamos que há uma diferença entre o funcionamento e o estilo da sociedade. Se o funcionamento da sociedade - a saúde e não a auto destruição - não é relativo, o estilo dela é. E por estilo, estamos entendendo questões como a arte, a arquitetura, a moda, o entretenimento, o idioma, as comemorações - como os aniversários ou o Natal - e os modos de vida - como morar ou não com os pais depois da maioridade ou dar três beijinhos ao nos cumprimentarmos. Não existe, de fato, um estilo musical melhor do que o outro. A música que vai haver daqui a dois séculos, não será melhor do que a de hoje. As diferenças aqui não podem ser medidas em termos de melhor ou pior.

Vejo, na academia, uma necessidade de escolher entre a perspectiva desse ou daquele autor, de forma que abandonamos os bons argumentos de quem pensa diferente. Mas, gente, a ideia não é somar as boas ideias, as boas explicações, para chegar num entendimento cada vez maior? Eu preciso concordar com tudo o que o fulano fala pra usar uma ideia específica dele? Qual a lógica desse preciosismo, desse protecionismo intelectual?

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