Andando em diferentes regiões de Belo Horizonte, tenho visto experiências de vida muito diversas. Num dia desses, estive observando primeiro os frequentadores do Mangabeiras e depois os do Centro (nas proximidades da rodoviária). Tenho ficado cada vez mais convencido de que o maior marcador de desigualdades nas experiências de vida das pessoas é mesmo o status social. Afinal, mais grana significa mais acesso a bens materiais, e o acesso a bens imateriais está diretamente relacionado a isso. Ou seja, quem tem mais dinheiro tem mais poder sobre a vida, mais meios de fazer com que ela seja mais próxima do que se deseja.
Os frequentadores do Mangabeiras: Gente bonita, alegre, aparentando ser jovem e saudável, com carros bons, roupas de marca e outros bens de consumo, se divertindo ou se exercitando, comendo aquilo que têm vontade de comer, indo aonde têm vontade de ir. O ambiente: ruas bonitas, limpas, bem conservadas. Tranquilidade e civilidade.
Os frequentadores do Centro (nas proximidades da rodoviária): Gente feia, deformada, com cara cansada ou triste, mal vestida (tanto do ponto de vista da qualidade das roupas quanto da adequação dos modelos às silhuetas), aparentando ser velha e doente, andando a pé ou de ônibus, indo ou voltando do trabalho, comendo porcarias baratas. Muitos mendigos quase pelados, cheios de tumores pelo corpo, muito sujos. O ambiente: ruas sujas, feias, mal conservadas. Violência e insegurança.
É curioso, primeiro, que as pessoas do Mangabeiras sejam infinitamente mais bonitas que as do Centro. É realmente incrível a diferença: as do Mangabeiras são saradas, têm pele e cabelo bonitos e bem cuidados, sorriso branco, postura adequada. As do Centro ou são magras e concurdas ou imensamente gordas. Têm a pele manchada e cabelos esgandalhados (ambos secos ou oleosos demais). Às vezes faltam-lhe dentes, e os que persistem são geralmente amarelos.
É possível pensar, então, que a beleza é genética? De forma alguma. É claro que existem exceções dos dois lados: pessoas surpreendentemente bonitas de uma forma muito natural e simples no Centro, e pessoas bem vestidas, com a pele bem cuidada, mas bastante gordas ou com o rosto “mal diagramado” no Mangabeiras. Mas a grande maioria segue a regra: se é tanto mais bonito quanto mais dinheiro se tem.
Para começar, ter tempo e dinheiro para frequentar academias (para moldar o corpo) não é para qualquer um. Além disso, produtos e tratamentos para a pele e os cabelos também não são acessíveis a todos. “Luxos” como um clareamento dental ou uma cirurgia plástica, então, nem pensar. Ademais, tratamentos com nutricionistas, terapeutas, dermatologistas, esteticistas e demais especialidades são uma realidade muito distante de quem mal consegue ter acesso a um clínico geral.
Entendemos a questão do acesso à beleza e à saúde. Mas e à alegria? Primeiro, quem tem mais grana vai aonde quer, trabalha com o que gosta, tem tempo e meios para se divertir e relaxar, come o que está com vontade de comer. Quem não tem grana, não tem como pagar passagem, nem entrada em boates, teatros, cinemas e outras opções de lazer. Não tem como comer nada que não seja barato, e que, portanto, não seja vendido nas seções de promoção dos supermercados ou nos botecos de esquina. Muitas vezes, além da grana, não tem tempo pra fazer nenhuma dessas coisas. Trabalha com o que aparece, gostando ou não. E trabalha muito, ganhando pouco. Sendo feio e tendo poucas oportunidades para sair de casa senão para trabalhar, fica difícil iniciar e manter relacionamentos. Fica difícil até pra fazer e manter amigos.
Depoimento pessoal: não tenho dinheiro para fazer academia, para pagar nutricionista, dermatologista e terapeuta. Também não tenho como pagar por tratamentos e produtos de beleza. Sou magro demais e minha postura não é boa, talvez eu fosse assim mesmo tendo dinheiro, mas provavelmente o acesso a todas essas formas de controle do corpo ao menos atenuaria consideravelmente meu quadro. A essa altura, talvez se eu passasse a ter dinheiro hoje, pouco poderia ser alterado, pois essas coisas são mais fáceis de se modificar na infância e na adolescência do que na idade adulta. Muitas vezes, fiquei sem comer algo porque não tinha dinheiro pra isso. E não falo de nada demais: falo de sanduíches, pizzas, sorvetes e coisas do tipo. Muitas vezes não tive dinheiro pra coisas muito simples, como cortar os cabelos. Quase nunca tenho grana pra sair, seja em bares, no cinema, no teatro ou em boates. Quase nunca tenho dinheiro pra comprar um livro ou uma roupa (que nunca é de marca).
Tenho muita dificuldade pra encontrar relacionamentos, e ela está muito ligada a todas esses fatores materiais. Sou feio e não tenho uma aparência saudável. Quase nunca consigo sair de casa. Mas, graças à minha inteligência, que é talvez meu único talento, tenho há anos convivido com pessoas com grana (sim, a inteligência também se compra com boas escolas, e assim como aquelas exceções estranhamente bonitas no centro, eu sou uma exceção nesse ponto). E esse desencaixe tem sido, pois, um grande ponto de inquietação da minha alma.
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