sábado, 4 de outubro de 2014

DEZ QUESTÕES PARA A REFORMA POLÍTICA REPENSAR

1. Número de partidos: O Brasil é um partido pluripartidarista. Atualmente, ele tem 32 partidos políticos. Para um novo partido ser fundado, é necessário que ele colha um número de assinaturas correspondente a 0,5% dos votos válidos registradas na última eleição para deputado. Atualmente, esse número corresponde a menos de 500 mil assinaturas. Depois de criado, apenas alguns atos cometidos pelo partido (como receber verbas de entidades estrangeiras) podem causar sua extinção. Outros países são bipartidaristas, ou seja, na prática, têm apenas dois partidos políticos (podem até existir outros, mas as regras eleitorais dificultam fortemente a participação dos partidos menores). O problema do bipartidarismo é que os dois partidos políticos em disputa representam apenas duas formas politicamente privilegiadas de ver a sociedade (privilegiadas porque são representativas da maioria). Isso causa dois problemas: a) As duas formas acabam sendo, sob muitos aspectos, muitos semelhantes. b) Muitas outras formas de se ver a sociedade ficam invisibilizadas. Mas um pluripartidarismo tão frouxo como o brasileiro também acarreta muitos problemas, principalmente os seguintes: a) Muitos partidos acabam tendo um posicionamento muito parecido uns com os outros. b) Alguns partidos acabam não sendo representativos de uma parcela significativa da sociedade. c) O alto número de partidos dificulta o debate e a capacidade dos eleitores acompanharem todas as perspectivas. Assim, o ideal seria um pluripartidarismo mais rígido. Uma boa ideia seria revalidar periodicamente a existência dos partidos. Um partido que conseguiu o número mínimo de assinaturas há décadas atrás, não necessariamente conseguiria novamente hoje em dia. Também seria necessário repensar essa quantidade mínima de assinaturas. Hoje o número necessário é inferior a 0,25% da população brasileira. Será que essa quantidade de pessoas é significativa para justificar a criação de um partido, ou será que precisaríamos aumentar essa quantidade um pouco?

2. Coligações: Os 32 partidos políticos do Brasil se organizam nas eleições através de coligações. Num sistema com tantos partidos, essa é a única maneira de organizar minimamente as eleições para o executivo. Entretanto, essa lógica tem um grande problema. As coligações podem ser realizadas de forma diferente em cada cidade e em cada estado, em relação a forma como são realizadas no nível federal. Isso gera um série de relações oportunistas entre os partidos, e dificulta a clareza e a compreensão do processo por parte dos eleitores, em especial em relação às eleições para o legislativo, como indicado mais detalhadamente no tópico seguinte.

3. Eleições para deputado: As eleições para deputado no Brasil seguem a lógica do quociente eleitoral. Nas eleições para deputado federal, por exemplo, funciona assim: O número de votos válidos de cada estado é dividido pelo número de cadeiras que esse estado possui. Esse é seu quociente eleitoral. Posteriormente, o número de votos recebido por cada coligação é dividido pelo quociente eleitoral, e assim se define quantas cadeiras cada coligação vai ocupar. Esse sistema tem vários problemas. Alguns candidatos menos votados acabam sendo eleitos em detrimento de outros mais votados porque sua coligação teve no total mais votos do que a coligação do outro. Por isso, muitas coligações lançam uma grande quantidade de candidatos, para que o número total de votos para elas seja maior. Além disso, o eleitor acaba elegendo não o candidato em quem ele votou, mas sim os candidatos mais votados da mesma coligação. Com a lógica fluida das coligações, acabamos elegendo candidatos de partidos que não admiramos, se eles estiverem coligados com o partido em quem votamos. Muitos defendem o voto em lista. Ao invés de votar em um candidato, votaríamos num partido ou coligação, que teria uma lista de candidatos ordenados por prioridade para ocuparem as vagas alcançadas. Outra possibilidade seria o voto distrital: cada estado seria divido em uma quantidade de localidades correspondentes à quantidade de cadeiras que ele ocupa, e cada localidade elegeria apenas um candidato.

4. Número de deputados: Atualmente a Câmara Federal é composta de 513 deputados. O número de cadeiras por estado é proporcional ao número de habitantes, mas deve ser de no mínimo oito e de no máximo setenta deputados. São Paulo é o único com setenta (seguido por Minas Gerais, com 53), enquanto onze estados têm oito deputados. Se a deliberação é parte essencial do sistema democrático que buscamos praticar, como isso é possível com 513 deputados? Esse número não está alto demais? E essa diferença tão grande entre o número de deputados de cada estado não faz com que os estados menos populosos tenham seus interesses invisibilizados? Tudo bem que a população de São Paulo é vinte vezes maior que a do Sergipe, mas isso significa que a população de São Paulo tem dez vezes mais demandas a serem atendidas? Não seria o caso de rever esse mínimo e esse máximo para garantir uma maior igualdade entre os estados?

5. Senado: O Senado é composto por três representantes de cada estado, eleitos por um mandado de oito anos. O primeiro problema é evidente: porque mandatos de oito anos? É tempo demais. O outro problema é que o Senado e a Câmara Federal são órgãos parecidos demais, o que coloca em questão a necessidade da existência dos dois ao mesmo tempo. As diferenças de atribuições entre um e outro são muito poucas. Basicamente, o Senado é o único que pode exercer funções como processar e julgar o presidente e aprovar a escolha dos ministros do Tribunal de Contas da União. Já a Câmara é quem pode executar ações como votar medidas provisórias, autorizar o presidente a declarar guerra e convocar plebiscitos. Enfim, uma divisão completamente arbitrária de funções.

6. Suplentes: Se é difícil para o eleitor pesquisar o histórico de cada candidato, ainda mais o de seus suplentes. Mas frequentemente quem elegemos desiste do cargo no meio do mandato e é substituído por seu suplente, que nem se quer conhecemos. Se a lógica fosse outra, esse problema seria menor. A substituição poderia ocorrer, por exemplo, pelo próximo candidato mais votado na mesma eleição.

7. Judiciário: No Brasil, não há eleições diretas para o poder judiciário. A indicação dos líderes do judiciário é feita pelo executivo e aprovada pelo legislativo. Isso não compromete a independência desse poder?

8. Horário eleitoral: O tempo do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão é dividido de acordo com a representatividade dos partidos ou coligações na Câmara Federal. Isso faz com que os partidos que elegeram mais candidatos na última eleição tenham um tempo muito superior aos demais. Por sua vez, isso ajuda esses partidos a continuarem nessa mesma situação privilegiada. Precisamos pensar na possibilidade de uma divisão igualitária do horário político entre os candidatos.

9. Financiamento de campanha: Hoje grandes empresas financiam a campanha dos principais candidatos, doando milhões para essas candidaturas. Muitas vezes, a mesma empresa doa expressivas quantias para todas as principais candidaturas concorrentes. Essa lógica traz dois principais problemas. Primeiro, é óbvio que nenhuma empresa se envolve no sistema eleitoral de um país capitalista se isso não lhe for render algum retorno financeiro. Portanto, é fácil perceber que se as mesmas empresas continuam investindo nas candidaturas eleição após eleição, isso indica que o que eles ganham com esse investimento supera o próprio investimento. Assim, podemos supor que ocorre, mesmo que de uma maneira indireta, algum tipo de favorecimento dessas empresas no mandato de seus candidatos. Mesmo que isso não possa ser comprovado, essa simples suspeita já é muito grave num sistema democrático. O segundo problema é que as candidaturas que agradam o grande capital recebem muito mais doações do que as que o desagradam, de forma que têm muito mais verba para campanha, o que gera uma relação de desigualdade que desprivilegia fortemente algumas candidaturas. A solução para esses problemas seria o financiamento público de campanha. O que o Estado gastaria nas eleições seria um ônus necessário para garantir que nenhuma ação fosse feita posteriormente a fim de beneficiar as empresas que fizessem doações em detrimento do restante da população. Como essas doações são milionárias, pressupõem-se que os ganhos de tais empresas sejam mais milionários ainda. Assim, no final das contas, pressupõem-se que haveria uma economia indireta do dinheiro público. Com todas as candidaturas recebendo o mesmo valor, a disputa seria mais equilibrada. E esse valor não seria nem de perto o que os candidatos mais votados têm hoje disponível, mas algo muito mais razoável.

10. Obrigatoriedade do voto: Em muitos países, o voto não é obrigatório. Isso faz com que vote apenas quem se interessa pela disputa eleitoral. Entretanto, em países como os Estados Unidos, o índice de votantes em relação ao total da população é muito baixo. Isso gera uma sensação de pouca representatividade dos votos, e também pode contribuir para que parcelas menos intelectualizadas da população fiquem à mercê da escolha das parcelas mais intelectualizadas. Entretanto, é muito reivindicado o direito de não querer opinar, apesar de haver as possibilidades de se votar em branco ou nulo. Argumenta-se também que muitos votam sem uma pesquisa e consciência necessárias, porque são obrigados a votar, e que seria mais produtivo se apenas quem se engajasse realmente nas discussões reivindicasse o direito ao voto.

Bônus - Pesquisas eleitorais: Há quem defenda que as pesquisas eleitoras não devem ser realizadas ou divulgadas, porque influenciam no voto dos eleitores. Isso ocorre porque muitos eleitores acabam optando por votar em um dos candidatos com maiores chances de serem eleitos em detrimento de outros candidatos com menores chances com os quais eles se identificam mais. Deixei essa questão de fora porque ela me parece especialmente problemática, e, portanto, não estou certo se essa deve ser uma das pautas em discussão ou não. Acontece que, como jornalista, não posso deixar de me sentir incomodado com a possibilidade da proibição da produção e da divulgação de um conhecimento relevante sobre o mundo em que vivemos. Me parece ser um direito das pessoas escolher usar seu voto da maneira como quiser, inclusive levando em consideração estratégias como votar em um dos candidatos com maior chance de ser eleito.

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