quarta-feira, 12 de março de 2014

SOBRE GAYS "MACHÕES" E "AFEMINADOS"

Virou moda nas últimas semanas falar de um tema muito importante: o preconceito contra a "afeminação" entre homens gays. Mas algumas das abordagens que tenho visto não tem me agradado muito. Primeiro porque se esquecem de que homens héteros também podem ser "afeminados", e que isso também não deve ser visto como um problema. Segundo porque tratam os gays másculos como se eles fossem babacas por serem másculos. O problema não é a performance de gênero de ninguém, mas sim a intolerância em relação à performance do outro!

Obviamente qualquer preconceito baseado na performance de gênero é muito errado. Nenhum homem deve ser visto como inferior por ter uma performance de gênero feminina, nem como superior por ter uma performance de gênero máscula, seja qual for a orientação sexual que esse homem tenha. Pensar isso é, simplesmente, reforçar cegamente o machismo.

Entretanto, a maior parte de nós tem uma identidade de gênero que não é queer, ou seja, que não é nem masculina (identificar-se com o gênero masculino), nem feminina (identificar-se com o gênero feminino). E se a nossa identidade de gênero é masculina, é bastante compreensível que a gente deseje ser másculo, porque a masculinidade é o nosso ideal de representação, é a forma como a gente se vê.

Muitos de nós (eu inclusive), apesar de nos identificarmos com o gênero masculino, não somos másculos, porque, simplesmente, não é essa a performance de gênero que a gente tem. Ora, a performance de gênero de uma pessoa não é necessariamente voluntária, porque depende do que essa pessoa tem de equipamento expressivo pra construí-la (voz, postura, etc).

Meu caso pessoal: eu me identifico como homem e me imagino, idealmente, como alguém másculo (que tem determinada performance de gênero relacionada à masculinidade). Eu não escolhi voluntariamente essa identificação, eu apenas a construí, em grande parte irreflexivamente, ao longo da formação do meu eu. Portanto, eu não sou másculo porque optei por não ser másculo, mas porque o equipamento expressivo que eu tenho me leva a ter uma performance de gênero distinta.

O que isso significa? Significa que, se eu tivesse um equipamento expressivo com o qual eu pudesse desenvolver uma performance de gênero máscula, eu teria a desenvolvido. Mas não tenho e por isso não desenvolvi. Agora, eu sou inferior por causa disso? Devo ser alvo de preconceito? Claro que não! Nem uma coisa nem outra.

Só que o cara que se identifica com o gênero masculino e que, diferente de mim, desenvolveu uma performance de gênero máscula, deve ser visto como babaca por causa disso? Também não! Independente de ele ser gay ou hétero!

Tem héteros que também não têm equipamento expressivo compatível com uma performance de gênero máscula: isso não faz deles gays, apesar do que a maioria de nós costuma pensar!

Também tem pessoas do sexo masculino que só se sentem atraídas por mulheres, mas que não se identificam com gênero nenhum, ou seja, são queers.

Há, ainda, pessoas do sexo masculino que se identificam com o gênero feminino e por isso querem ser femininos e desenvolvem essa performance de gênero se ela for compatível com seus equipamentos expressivos. E entre essas pessoas, há as que se sentem atraídas por homens e as que se sentem atraídas por mulheres.

Por fim,  há gays que são másculos por que essa é a performance de gênero que eles desenvolveram, em grande parte irreflexivamente, ao longo da vida, uma vez que seus esquipamentos expressivos eram compatíveis com ela. Qual é o problema disso?

Todos os casos são legítimos! Os que querem ter a performance de gênero máscula, os que querem ter a performance de gênero feminina, os que têm equipamentos expressivos compatíveis com esses ideais e os que não tem.

O único problema é o "ter que". Ninguém tem que ser másculo. Ninguém tem que ser feminino. A pessoa tem que ser o que ela quer e pode ser, apenas.

Portanto, você tem uma performance de gênero máscula e é assim mesmo que você gostaria que ela fosse? Ótimo! Continue do mesmo jeito! Você tem uma performance de gênero feminina e é assim mesmo que você gostaria que ela fosse? Ótimo! Continue do mesmo jeito!

Você, independente da sua orientação sexual, não tem equipamento expressivo que lhe permita uma performance de gênero máscula, apesar de ser essa a performance de gênero que você gostaria de ter? Não se entristeça por isso! Seja feliz do jeito exato que você é! Você não é inferior ou pior por causa disso! Assim como ninguém é melhor por ser másculo!

Por fim, sobre o "não curto afeminados". Ok! Não precisa curtir. Você pode ou não curtir o que você quiser. Mas essa frase é tosca por vários motivos. A palavra "afeminado" já é carregada de imenso preconceito. Ela segue esta lógica babaca: um homem não é feminino, ele é "afeminado", porque o feminino não é normal ao homem, o normal é o másculo, assim, o homem que não é másculo tem um desvio, uma "afeminação", e não uma feminilidade.

Além disso, as performances de gênero não são oito ou oitenta. Ninguém tem um selo de feminilidade ou um selo de masculinidade. O quanto você não gosta que o cara seja "afeminado"? Você apenas não quer que ele se vista com roupas femininas ou você quer que ele cuspa no chão e coce o saco?

Se você tem uma preferência por homem mais másculos, porque você não diz isso ao invés de falar que não curte "afeminados"? Tipo: "Eu me sinto mais atraído por caras másculos". Pronto! Não feriu, nem desprezou a performance de gênero de ninguém. Tudo que a gente fala tá dentro de um contexto, contexto esse que é muitas vezes, de preconceito e intolerância, portanto, tentar falar as coisas de uma maneira respeitosa só mostra que você é legal e tem bom caráter!

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