segunda-feira, 14 de agosto de 2023

BARBIE, BINARISMO DE GÊNERO E CINISMO

Imagem: Warner Bros. Pictures.

Assisti Barbie e não gostei. Me senti estranho porque todas as críticas que eu vi, antes e depois de ir ao cinema, foram positivas. Debatendo sobre isso com algumas amigas que gostaram muito do longa, enumerei os pontos que haviam me incomodado. Nenhum deles foi aceito como válido, e, na discussão que se seguiu, uma delas foi tão desrespeitosa que, literalmente, isso fez com que a nossa amizade acabasse ali. Então, assisti o filme de novo, observando com mais calma tudo o que me incomodou.

Barbie me lembra o feminismo liberal: hétero, cis, branco e de classe média. O filme trabalha com um sistema de cotas para emular diversidade: tem uma Barbie cadeirante que mal aparece, uma Barbie gorda, uma Barbie trans e um pequeno número de Barbies não brancas. A Barbie Presidente, inclusive, é preta: uma ótima forma de emular um lugar de destaque para uma dessas minorias. Mas as problematizações e discursos são, na verdade, muito pouco diversos: não se toca em nenhum problema relacionado à interseccionalidade, tomando a categoria mulher como única.

No entanto, até aí, acredito que, talvez, esse perfil possa ser visto mais como uma limitação do que propriamente como um "defeito". Talvez essa simplificação seja útil para tornar o discurso do filme mais contundente e coeso. Ademais, nenhum produto midiático consegue dar conta de tudo. Na verdade, essa não foi nem uma característica que se destacou para mim da primeira vez que vi o filme (e discuti sobre ele com minhas amigas). Foi algo que percebi melhor depois de um comentário da minha psicóloga, que é negra e lésbica. O que se destacou desde o início para mim como um problema efetivo foi o binarismo de gênero.

O filme naturaliza as relações de gênero. Para ele, as meninas têm uma ligação intrínseca com as bonecas, e só elas brincam de Barbie. Barbies e Kens simulam as categorias mulheres e homens de forma completamente distinta e oposicional. Independentemente da profissão, as Barbies são superfemininas. Já os Kens, apesar da emasculação ligada à ausência de poder e das roupas cor-de-rosa, são, na sua manifestação de gênero, ligados à masculinidade padrão. Além disso, claro, o desejo é sempre naturalmente voltado para o outro gênero.

É necessário apontar, no entanto, alguns esforços de representação da comunidade queer, através de personagens como a Barbie Estranha, o Ken Sugar Daddy e o Ken do Brinco Mágico (caricatos, ridicularizados e com uma aparição brevíssima) e, de forma mais sutil, o Allan.

No final, a Barbie Presidente reconhece que há preconceito contra a Barbie Estranha, e ela passa a ser tolerada. No entanto, essas figuras aparecem como exceções à norma sem colocar em risco sua hegemonia. Todas as demais Barbies e Kens continuam normativos e contando com 99% do destaque e tempo de tela que torna esse o modelo pelo qual o filme é quase que inteiramente marcado.

No entanto, é limitado o que se pode esperar de um filme sobre bonecas que são bastante binárias. Maquiagens, jóias, cabelos longos e saltos altos para as Barbies. Cara limpa, ausência de adereços, cabelos curtos e sapatos baixos para os Kens. Como o filme poderia representá-los diferentemente de forma coerente? Talvez tratando as exceções com mais destaque e menos deboche.

Além de cisheteronormativo, o filme é bastante cínico quanto à relação que se estabelece entre a Barbie e as meninas no mundo real. A única parte que encara esse problema é a primeira cena da personagem Sasha, na qual ela enumera as influências negativas que a boneca gera. No entanto, esse discurso é apresentado como o de uma menina chata que gosta de "reclamar no Twitter", sendo, por isso, deslegitimado.

O filme assume que a Barbie não é capaz de empoderar as mulheres no mundo real. Independentemente do poder dessas bonecas, o mundo continua sendo comandado por homens. Inclusive, todos os diretores da Mattel são homens, numa forma de "rir" de si mesma. No entanto, se as Barbies são livres do patriarcado na Barbilândia, nada muda no que diz respeito ao mundo real. No fim, a personagem Gloria propõe uma "Barbie Normal", como uma resposta simulada à pressão que as mulheres sofrem no patriarcado.

Mas, ao invés disso, do lado de cá da tela, o que a Mattel lança são as Barbies do filme por R$ 500 cada. A "solução" proposta, além de não existir de fato fora do filme, seria apenas a de uma boneca dentro de uma linha com centenas de outras "Barbies perfeitas". Com isso, a Barbie boneca se exime da sua responsabilidade em relação ao mundo real e ainda ri disso. O cinismo quanto à relação entre a Barbie e o capitalismo, então, é gritante.

No final, os Kens passam por uma transformação, se tornando mais maduros emocionalmente, mas isso não traz proposições de mudanças no mundo real, que seriam esperadas devido à relação entre ele e a Barbilândia. Se o filme considerasse que meninos também podem brincar de boneca, talvez trouxesse.

Imagem: Nando Motta. 

Eu também não gostei de outros pontos do filme. Achei a personagem Sasha mal desenvolvida, mudando de uma postura extremamente ácida para uma conformista de uma cena para outra ao chegar na Barbilândia. Também achei os diretores e funcionários da Mattel perdidos na trama após a fuga da Barbie, tendo sua ida para a Barbilândia praticamente sem nenhuma função no roteiro.

O discurso feminista de Gloria sobre as dificuldades de ser mulher no patriarcado é sensacional (apesar da ausência de interseccionalidade). Essa parte do filme e a que se segue, com as Barbies sendo resgatadas dos Kens, são impecáveis e valem pelo filme todo. Mas isso não significa que não se possa desgostar do filme por outros motivos.

Depois do final da discussão que tive com minhas amigas, da qual falei no início do texto, eu saí com um incômodo que eu não sabia explicar. Não era pelo fato de elas não terem concordado comigo. Era outra coisa que estava me incomodando. Foi só levando para a terapia que eu consegui elaborar. Eu havia escrito com cuidado dez pontos que não tinham me agradado no filme, mas nenhum foi considerado por nenhuma das quatro mulheres envolvidas no debate.

Eu, que já fui professor, sei que é muito difícil um aluno tirar zero numa prova. Para isso, ele não pode saber absolutamente nada sobre o assunto e ainda tem que ter muita má sorte de não conseguir deduzir ou chutar algo corretamente. Mas eu, que tenho certa bagagem em termos de discussões sobre gênero e comunicação, aparentemente, havia escrito apenas dez bobagens. É como se eu tivesse estudado com cuidado para uma prova, mas tirasse zero.

A situação não estava se encaixando, até que percebi: eu era a única pessoa não-binária naquele grupo. Poucas vezes consegui ver tão evidentemente o estabelecimento de uma relação de poder entre mim, enquanto pessoa não-binária, e pessoas binárias. Provavelmente é por isso que todas as críticas que vi sobre o filme também foram sempre positivas.

Imagem: Warner Bros. Pictures.

Obs.: Essa não é uma crítica de cinema, é uma análise sobre representações de gênero em um produto midiático. Não tenho formação em cinema e não estou questionando o potencial técnico do filme.

Postado em 14 de agosto de 2023 e editado pela última vez em 16 de agosto de 2023.

sábado, 21 de novembro de 2020

SOBRE O CASO JOÃO ALBERTO

Quando tomei consciência pela primeira vez do assassinato de João Alberto, espancado por seguranças do Carrefour, logo reanalisei o acontecimento, ou seja, identifiquei que a raça era o motivo do assassinato. Entretanto, lendo discussões sobre esse tema na Internet, vi que muitas pessoas questionam se a raça foi um elemento relevante nesse caso.

No Brasil, temos um contexto de racismo estrutural que é necessário para a leitura de todo ato em específico. A porcentagem de negros entre os mais pobres é de 75%, e a porcentagem de negros assassinados por ano é de 73%. Isso quer dizer que existem três vezes mais pobres negros que brancos; e que três vezes mais negros são assassinados que brancos. Será que isso tudo tem a ver com a pele dessas pessoas, ou é só uma coincidência, como seria, para algumas pessoas, no caso de João Alberto?

Donna Haraway desenvolve a ideia de "sujeitos matáveis". São aqueles cujas vidas em sociedade valem menos, ou, para alguns, não valem nada. É o caso de mulheres, LGBTs, indígenas, animais de outras espécies e também dos negros. Os negros são vistos como vidas sem valor e, ao mesmo tempo, como pessoas perigosas, como ameaças. É esse contexto que nos ajuda a entender o assassinato de João Alberto.

É preciso lembrar que, também no Carrefour, em 2018, uma cadela chamada Manchinha foi morta violentamente. Além disso, em agosto, o corpo de um homem chamado Moisés foi escondido em uma loja da rede com guarda-sóis. Também é importante não esquecer que um jovem negro chamado Pedro Henrique também foi morto por um segurança do Extra, no ano passado.

Nenhum caso é isolado.

sábado, 2 de maio de 2020

VAMOS FALAR SOBRE HSH PODEREM DOAR SANGUE?

O STF está julgando essa causa e, por enquanto, tem maioria a favor. Mais uma vez, é o poder judiciário quem tem garantido direitos à população LGBT, depois de aprovar o casamento igualitário, o direito ao nome social e a criminalização da LGBTfobia.

Mas por que é tão importante para a comunidade LGBT que homens que fazem sexo com outros homens possam doar sangue?

A medicina trabalha com dois conceitos relacionados a doenças: grupos de risco e comportamentos de risco. A ideia de grupos de risco define grupos de pessoas que têm maior chance de apresentarem certa doença. A ideia de comportamentos de risco define certos comportamentos que têm maior chance de causarem a doença. Em geral, o movimento tem sido de se distanciar da ideia de grupo de risco a favor da de comportamento de risco.

Vamos pensar nos homens que fazem sexo com outros homens enquanto grupo de risco. Segundo o Governo Federal, 1 a cada 250 pessoas vivem com HIV no Brasil. Mas segundo o Ministério da Saúde, 1 a cada 4 homens que fazem sexo com outros homens (HSH) na cidade de São Paulo vivem com o HIV. O número de HSH em São Paulo que convive com o HIV é 63 vezes maior que a média da população.

Agora vamos pensar em comportamento de risco. Segundo a Unaids, o sexo anal para quem é passivo tem 17 vezes mais chance de transmitir HIV do que o sexo vaginal para quem é receptivo. Já para quem é ativo no sexo anal a chance de transmissão é 3 vezes maior do que para quem é insertivo no sexo vaginal. Segundo pesquisa divulgada pela Folha, 18% dos homens heterossexuais tiveram três ou mais parceiras no último ano, contra 47% do homens gays e 44% dos homens bissexuais. Com isso, é possível concluir que homens gays e bissexuais têm, em média, pelo menos 3 vezes mais companheiros sexuais que homens heterossexuais.

Mas segundo a pesquisa divulgada pela Folha referenciada acima, 37% dos homens heterossexuais fazem sexo sem camisinha, contra 19% dos homens gays e 11% dos homens bissexuais. Portanto, homens heterossexuais transam sem camisinha, em média, 3 vezes mais que homens gays e bissexuais. É preciso ressaltar ainda, que homens heterossexuais também fazem sexo anal. Segundo pesquisa estadunidense divulgada pelo IG, 37% das mulheres nos EUA praticam sexo anal regularmente.

Atualmente, o critério para doação varia de acordo com o hemocentro, podendo estipular que o doador pode ter tido apenas um parceiro sexual no último ano, ou que tenha tido até dois parceiros nos últimos seis meses, por exemplo. Já uma portaria do Ministério da Saúde estabelece que não podem doar pessoas que fizeram, no último ano, sexo em troca de dinheiro ou drogas, pessoas que fizeram sexo com desconhecidos, e homens que fizeram sexo com outros homens ou com parceiras destes.

Perceba que pensando nos homens que fazem sexo com outros homens enquanto grupo de risco, em geral, a chance de contaminação é maior. Mas os grupos não são homogêneos. Vamos pegar por exemplo a cidade de São Paulo: 1 a cada 4 HSH vivem com HIV, mas 75% dos HSH não vivem e, no entanto, não têm o direito de doar sangue. Já homens heterossexuais que fazem sexo anal, por exemplo, podem doar sangue sem que isso seja um critério. Da mesma forma, podem doar sangue apesar de não terem usado preservativo com parceiras fixas, enquanto os HSH que usaram preservativo em todas as relações não podem doar.

É possível entender que há uma lógica por trás da ideia de que os HSH não podem doar sangue, mas não é a melhor lógica. A melhor lógica é olhar para o comportamento das pessoas, e não para qual grupo elas pertencem.

Por isso é tão importante para a comunidade LGBT que os HSH possam doar sangue: para que deixemos de ser estigmatizados, automaticamente tratados como portadores de doenças, humilhados ao tentar realizar uma atitude cívica.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

Hoje li que a prefeitura de BH vai colocar pedras em baixo de outro viaduto para impedir que o espaço seja ocupado por pessoas em situação de rua. Eu acho a questão das pessoas em situação de rua uma das mais difíceis de resolver ética e pragmaticamente. Há muitos problemas em jogo. Obviamente, o primeiro deles é a pobreza. Estruturalmente, como sabemos de cor, a solução para esse problema passa por uma maior distribuição de renda e investimento em educação. Mas o que fazer aqui e agora em relação a essas pessoas? A população de rua também não é composta apenas por pessoas que estão desabrigadas unicamente por serem pobres. Há os dependentes químicos e as pessoas com doenças mentais, por exemplo.

Por outro lado, há uma questão de direito à cidade. Ao ocupar vias urbanas, os moradores de rua impedem ou dificultam a circulação dos pedestres, que ficam com seu direito de circular por elas limitado. Ocorre um tipo de “privatização” de trechos do espaço público. Além disso, há a questão da segurança. Como também sabemos de cor, esse não é um problema de caráter (pelo menos não em relação a esse tipo de crime), mas sim ligado à situação de pobreza, à dependência química, etc. Mas os pedestres também têm direito à segurança pública.

Por fim, há a questão dos abrigos. Eles têm regras que dificultam a inclusão de diversas pessoas em situação de rua, como horários restritos para entrada e saída, a impossibilidade de guardar bens pessoais e de cuidar de animais. É muito difícil dizer qual é a solução pra esses problemas, mas colocar pedra debaixo do viado é que não é. Eu imagino, quando penso nesse assunto, a necessidade de criação de um modelo de habitação. Parte das pessoas em situação de rua gostaria de ter uma casa, mas parte prefere continuar na rua, seja por que motivo for. Os que gostariam de sair da situação de rua, deveriam ter uma casa popular oferecida pelo Estado, obviamente. Para os demais, seria necessário o paradoxo de tirá-los da rua mantendo o desejo deles de continuar na rua.

Aí vem a minha viagem: quando eu penso nisso, eu imagino terrenos com pequenos cômodos construídos um ao lado do outro em fileiras, uma fileira em frente da outra, com vias largas entre elas. Dentro de cada cômodo, uma cama de concreto com um colchão afixado a ela, e mais um espaço suficiente para os acomodar os bens pessoais e um animal de estimação. Além disso, um banheiro e vestiário coletivo. A entrada e saída das pessoas seria livre. Apenas haveria patrulhamento da guarda municipal pra garantir a segurança no local. Os terrenos não poderiam ser muito longe do centro, porque certamente parte dos moradores se deslocariam para lá diariamente. Além disso, assistentes sociais deveriam estar presentes para oferecer continuamente encaminhamento para serviços de saúde (com destaque para a saúde mental) e para clínicas de recuperação para dependentes químicos.

Aliás, esse é outro problema público que precisava ser enfrentado pelo Estado, com a construção de clínicas públicas. As filantrópicas quase não têm vagas, e muitas vezes fazem um doutrinamento religioso bastante questionável. Esse modelo, também tiraria dependentes químicos (pelo menos parcialmente) da rua e os colocaria sob uma disponibilização constante de assistência social, evitando a ideia de internação compulsória (que é outro dilema ético grave).

Pode ser que eu esteja pensando as maiores bobagens do mundo (se eu estiver, me corrijam, por favor). Certamente gestores públicos poderiam criar modelos muito mais eficientes. Mas eu acho que o que falta para o enfrentamento desses problemas é isso: colocar a cabeça pra pensar ao invés de buscar soluções paliativas.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

ANITTA: UM RAIO-X

Análise da carreira de Anitta em números


Tempo de carreira: 7 anos (2012 a 2019). Álbuns: 4 de estúdio, 1 ao vivo e 5 EPs (13 de seus singles e 1 de seus singles promocionais não foram incluídos em nenhum álbum).

Singles: 34 como cantora principal e 19 como convidada (total de 53 singles). Além de 7 singles promocionais (60 no total se contar com eles).

Videoclipes: 40 como cantora principal e 21 como convidada (total de 61 videoclipes).

Parecerias em singles: Nos singles que lançou, 14 foram lançados com outros artistas e 6 tiveram a participação de outros artistas (como foi convidada em outros 19 singles, o total de singles em parceria é de 38). Se considerarmos os singles promocionais, são mais 2 parcerias – um com outra artista e outro com artistas convidados (nesse caso, seriam 40 parcerias).

Outras parcerias: 10 como convidada, 9 convidando outros artistas e 9 com outros artistas (28 no total).

Parceiros: 71 cantores ou bandas parceiras, sendo 27 internacionais. Entre os brasileiros, estão nomes tradicionais como Caetano Veloso, Carlinhos Brown e Jorge Aragão. Entre os internacionais (especialmente estadunidenses e latino-americanos), estão Madonna, Major Lazer, Snoop Dogg, Sean Paul, Rita Ora, Iggy Azalea, Maluma e J. Bravin. Nessas parcerias, passeia por todo tipo de ritmo: funk, pop, MPB, sertanejo, pagode, axé, reggaeton. Nelas, canta em três línguas: português, espanhol e inglês.

Total de canções: 128 canções gravadas como artista principal ou como convidada, com 68 sendo parcerias.

Estatísticas: Em média, 18 músicas por ano, 10 parcerias por ano (sendo 4 internacionais), 8 singles por ano e 9 videoclipes por ano. 42% das músicas foram lançadas como singles. 56% do total de músicas são em parceria (sendo 38% parcerias internacionais).

Os números comprovam o que os fãs e haters já entenderam: a estratégia de Anitta é o lançamento de muitos singles e o estabelecimento de muitas parcerias (com destaque para as internacionais). 

Obs.: Dados coletados em 16/08/19. Semana que vem já vão estar desatualizados rs

domingo, 26 de agosto de 2018

quarta-feira, 17 de maio de 2017

DIA DE COMBATE À LGBTFOBIA

17 de maio é o Dia de Combate à LGBTfobia!

Ué, mas não era à Homofobia?

Muita gente muito bacana e que super ajuda a combater à LGBTfobia, ainda não sabe a importância de se preferir o termo LGBTfobia ao invés de homofobia.

LGBT signigica Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros.

Dentro da comunidade LGBT, as diversas identidades que compõe essas letrinhas foram historicamente eclipsadas pela visibilidade dada aos homens homossexuais.

No início, ao invés dessa sigla, se usava o termo "comunidade gay". Daí dá pra ver como, de um ponto de vista histórico, os homens homossexuais sempre tiveram uma visibilidade muito maior no movimento. Ainda hoje, muitas pessoas continuam a usar o termo "Parada Gay", ao invés de "Parada LGBT", por exemplo.

Depois, a sigla usada pra designar a comunidade era GLBT. O L, que significa Lésbicas, foi para frente para indicar a necessidade de se pensar e de se tomar atitudes para contornar esse problema.

Com o termo homofobia não foi diferente: as diversas identidades LGBT passaram a questionar o termo por focar apenas nos problemas e dificuldades enfrentados pelos homens gays.

Daí surgiram termos específicos para designar os preconceitos existentes contra cada identidade. A lesbofobia, por exemplo, está ligada a "estupros corretivos" e fetichização. A bifobia, ao apagamento desse grupo e à crença equivocada de que bissexuais são, na verdade, gays ou lésbicas enrustidos. A transfobia está ligada às violências e a negação de direitos sofridos pelas pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi designado quando nasceram.

Então começaram a surgir termos para tentar evidenciar a existência desses múltiplos preconceitos. Inicialmente, experimentou-se homolesbotransfobia. Grande e confuso. Chegou-se, então, ao simples, mas muito mais representativo, LGBTfobia.

Prefira esse termo! Utilizar os termos mais representativos é um jeito simples e prático de ajudar na luta contra a LGBTfobia.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

AS NOVAS TECNOLOGIAS ATRAPALHAM A VIDA OFFLINE?

Tenho visto cada vez mais forte o enquadramento de que as novas tecnologias atrapalham as experiências offline. Não concordo com ele.

Gastar tempo com tecnologias que nos transportam para mundos virtuais não é algo novo. Há décadas temos televisões e videogames, que ocupam boa parte do tempo de adultos e crianças.

A atividade de utilizar redes sociais no celular, por exemplo, em boa parte do tempo não é individual. Quando duas pessoas estão próximas uma da outra, é comum elas compartilharem de modo tradicional (offline) um vídeo ou imagem, ou comentarem o que estão lendo. Exatamente como fazemos quando vemos TV ou jogamos videogame com alguém.

Essas tecnologias servem para marcarmos eventos offline com quem dificilmente veríamos pessoalmente de outra forma, e para manter os laços fortes durante esse período de distância.

Eu, pessoalmente, não conheço nenhuma pessoa que, por causa das novas tecnologias, deixe de gostar de viajar, por exemplo, e conheço pouquíssimas pessoas que não gostam de sair com os amigos. Mas já conhecia pessoas assim antes das novas tecnologias, então não acho que elas sejam a causa.

Tenho sobrinhas adolescente e criança, e não acho que a infância, nem a adolescência delas foram menos ricas que as minhas por causa de novas tecnologias.

Tenho primas muitos novas, que já nasceram com tablets e smartphones, e nem por isso vejo elas não gostarem de brincar no chão com brinquedos tradicionais.

Sinto novas tecnologias me ajudando, e ajudando pessoas mais experientes, como minha mãe, por exemplo.

As tecnologias nos trazem muito conhecimento, permitem que a gente vivencie uma quantidade de experiências que seriam impossíveis numa vida sem elas.

Acho que o pessimismo se baseia em estereótipos de pessoas que são viciadas em jogos ou redes sociais, assim como sempre houve pessoas viciadas em tudo, como livros, por exemplo (taí uma outra boa discussão pra outro momento: porque ler livros é assim tão superior a ver séries, por exemplo?).

É claro que existem casos (talvez em número realmente preocupante) de pessoas viciadas em novas tecnologias, que precisam ser olhados com atenção, especialmente as crianças. Mas não creio que a solução para as crianças, por exemplo, seja retirar da vida dela as novas tecnologias, mas saber dosar, como é preciso dosar tudo na educação de uma criança.

O que acho equivocado é, principalmente, valer-se de esteriótipos e de casos problemáticos para generalizar um novo tipo de interação.

Nas redes sociais, por exemplo, estamos trocando ideias e construindo laços com indivíduos de uma nova maneira. Por que esse novo formato seria tão inferior assim? Ele não pode ser conjugado com o tradicional trazendo novas possibilidades e benefícios?

Historicamente, há sempre forte oposição e pessimismo em relação a novas mídias. Quando surgiu a escrita, por exemplo, acreditava-se que seria o fim da memória.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O QUE É APROPRIAÇÃO CULTURAL?

O que é apropriação cultural? É quando um símbolo ou prática de determinada etnia que sofre preconceito dentro de uma sociedade (preconceito voltado inclusive para estes mesmos símbolos e práticas) é visto como moda e valorizado quando passa a ser usado/praticado por pessoas de etnias valorizadas dentro dessa mesma sociedade.

Uma argumentação contra a apropriação cultural é a seguinte: Quando alguém de uma etnia valorizada se apropria de um símbolo/prática de uma etnia que sofre preconceito, está enfraquecendo politicamente essa minoria ao receber os créditos por esse símbolo/prática, como se lhe fosse próprio. Assim, a minoria continua desvalorizada, a despeito dos usos de sua cultura.

Uma argumentação a favor é que o mundo historicamente é feito de intercâmbios culturais, e que é um direito de cada um manifestar-se culturalmente da maneira que bem entender.

Eu, pessoalmente, entendo os argumentos contrários e a favor. Eu, pessoalmente, prefiro atender aos apontamentos de que não devo me apropriar de algo de uma etnia desvalorizada (por mais que eu não seja caucasiano, e sim pardo, socialmente, no contexto brasileiro, na maior parte dos círculos que frequento, sou visto como branco, e recebo os privilégios disso).

Por quê? Porque quando alguém diz que o que eu faço ofende alguém que já é ofendido diariamente, eu prefiro não fazer mais uma coisas que vai ofender. É meu direito fazer? É. Mas muitas vezes a gente pode abrir mão de um direito em favor de alguém.

Isso não quer dizer, em hipótese alguma, que radicalismos são legais. Ninguém tem o direito de sair metendo a mão na cabeça de ninguém, por exemplo. Nem considero bacana ser grosso, agressivo, a não ser em casos em que isso seja muito necessário. Eu acho legal é ser didático, explicar, e também se esforçar pra entender quem nunca é ouvido.

No caso do momento, por exemplo, imagina que doido seria:

- Moça, não é legal você usar turbante, porque é algo típico da cultura negra, que é desvalorizado, mas é visto como bonito quando uma mulher branca usa, e isso não é bacana pra gente.

- Entendi, moça, mas é que eu estou lutando contra o câncer, e nesse momento usar o turbante tem sido algo muito importante pra minha autoestima.

- Hum, entendi.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

DÓRIA E O GRAFITE

Não sou especialista na questão do grafite. Mas o acontecimento Dória nos motiva à reflexão, então eis algumas das minhas impressões sobre o tema:

- Grafite e pixo não são a mesma coisa. Um critério comum para separá-los é se são bonitos ou feios. Mas essa é uma questão de gosto (gosto coletivo principalmente, não apenas individual). Só que, a meu ver, a lógica do pixo e a do grafite os diferencia. O pixo envolve muitas questões para além de se propor ou não arte, e essa talvez nem seja uma questão chave em relação a ele. O pixo, em geral, tem a característica de envolver em seu cerne disputas simbólicas por território entre grupos de periferias urbanas. O grafite, por outro lado, se propõe arte de uma maneira mais central, essa é uma finalidade em si dele (não a única, é preciso lembrar). Existem zonas cinzas (rs), como por exemplo as poesias e reflexões gravadas nos muros com spray. Essas talvez se proponham frequentemente como intervenções propriamente políticas em primeiro plano (no sentido de militância mesmo).

- Ficando a reflexão apenas no grafite, que se propõe arte de uma maneira mais central: é possível dizer que o grafite é "errado" apenas se pensarmos que não é legítimo que aqueles que se consideram "artistas urbanos" pintem espaços que não lhes pertencem sem permissão. Nesse caso, é importante pensar, em primeiro lugar, se os espaços que eles utilizam são públicos ou privados. Muros costumam ser considerados espaços privados quando o que está do lado de dentro deles é privado, apesar de eles estarem voltados para o lado de fora, ou seja, para o espaço público. Já quando não há espaço privado do lado de dentro, aí, então, eles seriam públicos. Eu pessoalmente discordo da ideia de que há muros privados, pois penso que o que está para o lado do espaço público, deve ser pensado como público. Mas, ok, vamos nos restringir apenas aos muros sobre os quais há consenso que são públicos.

- Há um tipo de raciocínio de que se um espaço é público, só o Estado pode mexer nele. Esse, em geral, não é o raciocínio de quem defende o grafite. O outro raciocínio possível é o de que algo público é para ser vivo, para ser usado, entre outras coisas, para a arte.

Acredito que o que está em jogo, São Paulo sendo um caso paradigmático, especialmente na contraposição Haddad/Dória, é o tipo de cidade que queremos construir: uma cidade funcionalista, racionalista, marcada pela busca da eficiência mecânica, ou uma cidade viva, um espaço de sociabilidade, de pluralidade cultural. Eu entendo os dois lados. Fico com o último.