O STF está julgando essa causa e, por enquanto, tem maioria a favor. Mais uma vez, é o poder judiciário quem tem garantido direitos à população LGBT, depois de aprovar o casamento igualitário, o direito ao nome social e a criminalização da LGBTfobia.
Mas por que é tão importante para a comunidade LGBT que homens que fazem sexo com outros homens possam doar sangue?
A medicina trabalha com dois conceitos relacionados a doenças: grupos de risco e comportamentos de risco. A ideia de grupos de risco define grupos de pessoas que têm maior chance de apresentarem certa doença. A ideia de comportamentos de risco define certos comportamentos que têm maior chance de causarem a doença. Em geral, o movimento tem sido de se distanciar da ideia de grupo de risco a favor da de comportamento de risco.
Vamos pensar nos homens que fazem sexo com outros homens enquanto grupo de risco. Segundo o Governo Federal, 1 a cada 250 pessoas vivem com HIV no Brasil. Mas segundo o Ministério da Saúde, 1 a cada 4 homens que fazem sexo com outros homens (HSH) na cidade de São Paulo vivem com o HIV. O número de HSH em São Paulo que convive com o HIV é 63 vezes maior que a média da população.
Agora vamos pensar em comportamento de risco. Segundo a Unaids, o sexo anal para quem é passivo tem 17 vezes mais chance de transmitir HIV do que o sexo vaginal para quem é receptivo. Já para quem é ativo no sexo anal a chance de transmissão é 3 vezes maior do que para quem é insertivo no sexo vaginal. Segundo pesquisa divulgada pela Folha, 18% dos homens heterossexuais tiveram três ou mais parceiras no último ano, contra 47% do homens gays e 44% dos homens bissexuais. Com isso, é possível concluir que homens gays e bissexuais têm, em média, pelo menos 3 vezes mais companheiros sexuais que homens heterossexuais.
Mas segundo a pesquisa divulgada pela Folha referenciada acima, 37% dos homens heterossexuais fazem sexo sem camisinha, contra 19% dos homens gays e 11% dos homens bissexuais. Portanto, homens heterossexuais transam sem camisinha, em média, 3 vezes mais que homens gays e bissexuais. É preciso ressaltar ainda, que homens heterossexuais também fazem sexo anal. Segundo pesquisa estadunidense divulgada pelo IG, 37% das mulheres nos EUA praticam sexo anal regularmente.
Atualmente, o critério para doação varia de acordo com o hemocentro, podendo estipular que o doador pode ter tido apenas um parceiro sexual no último ano, ou que tenha tido até dois parceiros nos últimos seis meses, por exemplo. Já uma portaria do Ministério da Saúde estabelece que não podem doar pessoas que fizeram, no último ano, sexo em troca de dinheiro ou drogas, pessoas que fizeram sexo com desconhecidos, e homens que fizeram sexo com outros homens ou com parceiras destes.
Perceba que pensando nos homens que fazem sexo com outros homens enquanto grupo de risco, em geral, a chance de contaminação é maior. Mas os grupos não são homogêneos. Vamos pegar por exemplo a cidade de São Paulo: 1 a cada 4 HSH vivem com HIV, mas 75% dos HSH não vivem e, no entanto, não têm o direito de doar sangue. Já homens heterossexuais que fazem sexo anal, por exemplo, podem doar sangue sem que isso seja um critério. Da mesma forma, podem doar sangue apesar de não terem usado preservativo com parceiras fixas, enquanto os HSH que usaram preservativo em todas as relações não podem doar.
É possível entender que há uma lógica por trás da ideia de que os HSH não podem doar sangue, mas não é a melhor lógica. A melhor lógica é olhar para o comportamento das pessoas, e não para qual grupo elas pertencem.
Por isso é tão importante para a comunidade LGBT que os HSH possam doar sangue: para que deixemos de ser estigmatizados, automaticamente tratados como portadores de doenças, humilhados ao tentar realizar uma atitude cívica.
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