sábado, 4 de fevereiro de 2017

DÓRIA E O GRAFITE

Não sou especialista na questão do grafite. Mas o acontecimento Dória nos motiva à reflexão, então eis algumas das minhas impressões sobre o tema:

- Grafite e pixo não são a mesma coisa. Um critério comum para separá-los é se são bonitos ou feios. Mas essa é uma questão de gosto (gosto coletivo principalmente, não apenas individual). Só que, a meu ver, a lógica do pixo e a do grafite os diferencia. O pixo envolve muitas questões para além de se propor ou não arte, e essa talvez nem seja uma questão chave em relação a ele. O pixo, em geral, tem a característica de envolver em seu cerne disputas simbólicas por território entre grupos de periferias urbanas. O grafite, por outro lado, se propõe arte de uma maneira mais central, essa é uma finalidade em si dele (não a única, é preciso lembrar). Existem zonas cinzas (rs), como por exemplo as poesias e reflexões gravadas nos muros com spray. Essas talvez se proponham frequentemente como intervenções propriamente políticas em primeiro plano (no sentido de militância mesmo).

- Ficando a reflexão apenas no grafite, que se propõe arte de uma maneira mais central: é possível dizer que o grafite é "errado" apenas se pensarmos que não é legítimo que aqueles que se consideram "artistas urbanos" pintem espaços que não lhes pertencem sem permissão. Nesse caso, é importante pensar, em primeiro lugar, se os espaços que eles utilizam são públicos ou privados. Muros costumam ser considerados espaços privados quando o que está do lado de dentro deles é privado, apesar de eles estarem voltados para o lado de fora, ou seja, para o espaço público. Já quando não há espaço privado do lado de dentro, aí, então, eles seriam públicos. Eu pessoalmente discordo da ideia de que há muros privados, pois penso que o que está para o lado do espaço público, deve ser pensado como público. Mas, ok, vamos nos restringir apenas aos muros sobre os quais há consenso que são públicos.

- Há um tipo de raciocínio de que se um espaço é público, só o Estado pode mexer nele. Esse, em geral, não é o raciocínio de quem defende o grafite. O outro raciocínio possível é o de que algo público é para ser vivo, para ser usado, entre outras coisas, para a arte.

Acredito que o que está em jogo, São Paulo sendo um caso paradigmático, especialmente na contraposição Haddad/Dória, é o tipo de cidade que queremos construir: uma cidade funcionalista, racionalista, marcada pela busca da eficiência mecânica, ou uma cidade viva, um espaço de sociabilidade, de pluralidade cultural. Eu entendo os dois lados. Fico com o último.

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