segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Eu sofro de verafrancismo

Eu sofro de verafrancismo. Quando escuto a Vera falando sobre algum autor de quem ela gosta, eu imediatamente me apaixono por ele. Ele torna-se um dos meus autores favoritos também. Passo a criar uma expectativa imensa em relação àquele autor. Passo a querer basear minhas próximas pesquisas em suas teorias.

Então vou ao autor para lê-lo pessoalmente. E dou com a cara na poeira. Onde está aquele autor encantador que estava presente no discurso verfrancístico? Onde estão aquelas ideias maravilhosas que a Vera me apresentou como se fossem dele? Leio, releio, e não acho. Pelo contrário: passo a achar um monte de ideias contrárias às minhas e às da própria Vera. Passo a tomar raiva e preguiça daquele autor.

Mas eu ainda o quero, ainda o desejo, e agora de forma ainda mais forte do que antes. Eu quero aquele Dewey, eu quero aquele Bakhtin! Não aqueles que escreveram Arte como Experiência ou Marxismo e Filosofia da Linguagem, mas sim aqueles que a Vera havia me dito que haviam escrito!

Por que a Vera consegue enxergar coisas nos autores que eu não vejo? Como ela lê o mesmo texto que eu e no final das contas parece que ela leu um texto totalmente diferente?

A Vera tem um jeito verafrancístico de ler. Ela entra no livro como uma faxineira, limpando com detergente e desinfetante tudo o que não serve, tudo o que não tem graça e achando por debaixo da poeira e das camadas de gordura o desenho bonito do azulejo português que assenta-se pelas páginas do livro.

Eu queria o óculos da Vera emprestado. Qualquer um daqueles óculos roxos, vermelhos ou verdes que ela fica trocando sem parar nas reuniões do Gris. Qualquer um dos que ela sempre usa como metáforas para os conceitos ou para as áreas do conhecimento, quando está tentando explicar algo epistemológico.

Mas os óculos da Vera só funcionam para ela... Ela, entretanto, compartilha com todo prazer aquilo que eles lhes mostram. Só que faz isso quase sempre de forma oral.

Não que a Vera não tenha publicado até hoje uma infinidade de livros, capítulos de livros e artigos. Mas é que a Vera que aparece ali, apesar de adorada pelos alunos da graduação, é muito menos do que a Vera face-a-face. A Vera autora se revela e se compromete muito menos do que a Vera professora. Isso não faz dela uma má autora, mas faz com que a autora não alcance a grandeza da professora.

Eu queria é que a Vera desse uma banana pra prudência e pra cautela e escrevesse um livro nos contando o que ela pensa sobre a comunicação, sobre a linguagem, sobre o mundo. Eu queria que ela escrevesse que leu Bakhtin e Dewey e a partir deles ela pensa tal e qual coisa. Ela, Vera França, pensa. A partir dos autores, sim. Mas pensa por ela mesma.

A Vera melhora a teoria desses autores e não apenas as interpreta, e é isso o que ainda falta à Vera autora assumir. Mas ainda dá tempo. Se todos os deuses quiserem, Vera ainda tem uma longa trajetória pela frente, e irá lançar um livro sobre Teoria da Comunicação em breve.

Mas mesmo que esse meu desejo de ver num livro a Vera botando a cara dela para que os outros batam não se realize, eu já sou eternamente e imensamente grato a ela. Grato porque mesmo que eu não consiga citá-la para defender nas minhas pesquisas muitos pontos de vista que ela me mostrou, o mais importante é que ela os tenha me mostrado. E nisso, Vera é imensamente generosa.

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