segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Crítica ao darwinismo



Outro dia eu estava conversando com o Hudson, um amigo que faz medicina, e ele estava me mostrando imagens e fazendo comentários sobre a estrutura de cada órgão do corpo humano. Mais do que nunca, eu cheguei à conclusão de que é impossível que o nosso corpo tenha surgido de mutações ocorridas ao acaso. Essa ideia, aliás, sempre me incomodou. Como seria possível probabilisticamente falando que mutações aleatórias gerassem sistemas tão sofisticados e bem resolvidos quanto os corpos de cada animal, cada qual com suas especificidades?

Entretanto, se formos pensar em cada um desses corpos em comparação uns com os outros, veremos que as diferenças são muitas, mas nem tantas assim. Todos os seres mais evoluídos tem ossos, tecido muscular, olhos, boca, etc. Por isso, eu entendo e concordo com Darwin no que diz respeito à adaptação: sobrevive quem tem a forma que se adapta mais ao ambiente, como no exemplo da girafa de pescoço comprido. Mas eu não consigo imaginar que essa receita mais ou menos comum entre os seres mais evoluídos seja aleatória. Para mim, desde que havia apenas bactérias no mundo, o caminho a ser traçado já estava mais ou menos definido. A girafa poderia ter se tornado mais ou menos pescoçuda dependendo do ambiente, mas o essencial dela (que é em grande parte o mesmo nosso) já estava guardado em algum lugar dentro daquelas bactérias.

Para fazer uma comparação, eu me lembrei dos digimon. Um digimon não digenvolve para qualquer outro. Há uma sequência a ser seguida. Às vezes, essa linha sequencial permite bifurcações (que seriam as diferentes adaptações), mas toda a família formada pela linha sequencial de evolução daquele digimon partilha características comuns, para as quais ele se dirige desde o primeiro estágio. 


Na minha opinião, nós também seríamos assim. Um dia, nossos tataravós foram bactérias, que lentamente mutaram para peixes, depois para répteis, depois para mamíferos. Nesse processo, houve inúmeras e sucessivas bifurcações, gerando a cada etapa novos tipos de peixes, de répteis, de mamíferos. Dessa forma, se os caninos tivessem se adaptado melhor que os primatas, poderia haver hoje um monte de lobos-maus andando por aí. E o processo não deve estar acabado: podemos ainda virar super-homens ou sabe-se lá o quê. De qualquer forma, uma receita básica, um caminho mais ou menos definido de evolução, em uma direção, já estava traçado desde o começo.

Mas quem foi que programou esse caminho? Deus? Nesse ponto talvez pudéssemos fazer uma união entre darwinismo e criacionismo, antigos rivais. Mas eu penso que talvez aquilo que valorizamos tanto e achamos tão incrível, seja apenas uma estrutura simples do universo: a vida. Talvez, perto da grandeza do universo, que conhecemos tão pouco e provavelmente sempre será assim, seres vivos sejam estruturas tão simples e básicas quanto são para nós os átomos. Talvez essa receita de evolução que seguimos seja uma das regras mais básicas do universo.

Depois de escrever este texto, acabei achando a ideia de Design Inteligente, que tem muito a ver com o que eu coloco aqui!

Veja também uma intromissão pseudocientífica minha na física!

A maldade fascinante de Avenida Brasil


A teledramaturgia é a minha maior paixão desde que eu me entendo por gente. Já assisti centenas de novelas, minisséries e seriados brasileiros, estadunidenses, mexicanos, colombianos, argentinos. Mas em todo esse tempo, eu nunca vi um fenômeno tão instigante e tão fascinante quanto a paixão do público brasileiro por uma vilã da magnitude de Carminha, de Avenida Brasil. Mas porque uma personagem tão má se tornou tão amada?

Primeiro por suas características psicológicas. Carminha foi uma criança que viu o pai matar a mãe a sangue frio, que foi abusada e abandonada por ele, que cresceu num lixão sendo explorada por um homem asqueroso. O resultado desse processo foi ela ter se tornado extremamente carente e egocêntrica. Carminha aprendeu a manipular, a jogar jogos com as cartas dos outros, para sobreviver. Carminha aprendeu a criar fantasias em sua mente, nas quais era ela quem mandava, nas quais todo aquele sofrimento não a afetava. E Carminha caiu na sua própria armadilha: enganou a si mesma e se confundiu com as personagens que criou. Chegou a um momento em que não sabia se era a esposa apaixonada de Tufão ou sua carrasca.

Na casa de Tufão, Carminha entrou atrás de dinheiro, mas encontrou muito mais que isso. Encontrou todo o afeto, atenção e cuidado que ela nunca teve. Cercada de pessoas que a amavam e a admiravam, incluindo Max, o homem pelo qual ela era apaixonada. Carminha passou doze anos na casa de Tufão, desviando dinheiro dele com a maior facilidade, mas nunca chegou a dar o golpe final para fugir com Max, como ela lhe prometia. Por quê? Porque ela gostava de viver na casa de Tufão, ela gostava da vida que levava ali, aquilo se tornou a coisa mais importante da vida dela.

Carminha não é psicopata, não é friamente cruel, como seu pai. Ela ama, sente culpa, sente pena, sente tristeza. O amor incondicional que ela sente por Jorginho transbordava claramente desde o início da trama. Esse amor imenso se baseava em dois pilares: na culpa que ela sentia por tê-lo abandonado e no orgulho que sentia por ter sido capaz, pelo menos por alguns anos, de manter uma vida normal ao lado de Max. Jorginho era a esperança de Carminha de poder fazer algum bem, de ser diferente de seu pai e de Nilo. Ser igual a seu pai era seu pior medo, e o asco que sente por ele também transbordava.

A pena e a culpa em relação a Rita também eram claras. Ela teve mais de uma chance de matá-la: quando criança, quando na cova, mas não o fez. Pelo contrário, ela sempre arrumava um jeito de tentar tirá-la da sua vida, afastando o objeto de sua culpa, e tentando encamilhá-la para uma vida minimamente digna em algum outro lugar. Foi assim quando ela tentou ajudar Betânia pensando que era Rita. Foi assim quando ela tentou afastá-la de sua casa quando descobriu que ela e Nina eram a mesma pessoa. Carminha tinha medo de ser para Rita o que seu pai foi para ela. Carminha inventava histórias sobre sempre ter ajudado e amado Rita não para enganar os outros, mas para enganar a si mesma. Por isso ela contava essas histórias para Nina, que considerava uma amiga. Para ver em Nina a compreensão de que ela precisava.

A condicionalidade da crueldade de Carminha se mostra na sua dificuldade quase insuperável de matar. Quando resolver fazer isso com Max, tomou todo o cuidado para que ele se sentisse feliz o máximo possível e para que não soubesse que ia morrer. E não conseguiu fazer por ela mesma: teve que solicitar a Lúcio que fizesse. Mas por que matá-lo? Porque Max, ainda mais que Nina (a qual ela não conseguiria matar por sua culpa) podia tirar-lhe o afeto da família Tufão. Foi quando Max ameaçou contar a todos a verdade, e ela sabia que ele realmente faria isso, que a situação se tornou insustentável para Carminha. E olha que a situação para ela na casa do Tufão já estava praticamente perdida. Por que não dar um golpe nele de vez e sumir? Porque ela queria lutar até o fim para manter aquela vida que levava. Carminha só conseguiu matar com as próprias mãos, quando Max estava prestes a acabar com a vida de Nina, Jorginho, Tufão, Lucinda e todos aqueles que ela mais amava e queria proteger, mesmo sem admitir.

E foi a culpa o que salvou Carminha. A culpa por ter feito tanto mal a Nina, a Tufão, a Jorginho, a Ágata, a Max. E também o afeto que recebera deles, que mostrou-lhe outras possibilidades. Ela precisou ser confrontada com seu pai para ter claro em sua mente o que ela queria e o que ela não queria ser. Todos nós temos conflitos internos, perverssidades contra as quais lutamos, por isso nos sentimos tão perto de Carminha.

Em segundo lugar, o que nos atraiu para ela foi o poder que ela tinha em suas mãos, com sua capacidade de manipular e passar por cima de limites éticos. Carminha não é a primeira vilã pela qual nos apaixonamos, basta lembrar de Nazaré, de Senhora do Destino, por exemplo. Aliás, não é à toa que foi a talentosíssima Adriana Esteves quem viveu essa outra na juventude. Renata Sorrah, inclusive, afirmou ter baseado sua Nazaré na de Adriana. Quem não gostaria de ser capaz, às vezes, de passar por cima de seus princípios para conseguir aquilo que quer? Nos identificamos com a maldade dessas vilãs porque desejamos ser capazes de ser malvados assim às vezes, e de fato, às vezes somos.

O final de Carminha poupou ela da morte, destino das vilãs mais odiadas, mas não lhe deu a fuga. Ela pagou pelos seus erros da pior forma: convivendo com as consequências deles pelo resto da vida. A perda de seus cabelos loiros (já ocorrida quando Nina estava comandando) é simbólica: Carminha perdeu com eles seu brilho. Mas não sua personalidade: continuou reclamando, exigindo e resmungando como sempre.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Avenida Brasil foi uma excelente novela, mas com muitos problemas na condução do roteiro


Positivo: Dinamicidade, mistério e inovação do enredo
Um enredo que não trata de um triângulo amoroso e sim de uma vingança. A cada final, um gancho mais forte e mais impactante. A cada semana, reviravoltas inesperadas e uma profusão de acontecimentos. Deu adrenalina assistir Avenida Brasil.

Negativo: Transferência de vilão
Foi genial o que João Emanuel Carneiro fez para redimir Carminha: transformar Santiago num vilão muito maior que ela e atribuir a isso os desvios de caráter da loira. Entretanto, essa transferência não foi bem conduzida. Santiago entrou já na metade da trama e mudou da água para o vinho na última semana.  Teria sido bem mais coerente inseri-lo, mesmo que inicialmente apenas por referências ao personagem, desde o começo da novela. Do mesmo modo, teria sido muito mais verossímil ter dado pistas de sua maldade há muito tempo, para que sua transformação não parecesse uma estratégia desesperada para salvar Carminha no final.

Positivo: Uma das personagens mais bem construídas da nossa teledramaturgia
Carminha é uma vilã incrível. Uma vilã carismática, que sofre, chora, ri, ama, odeia, tem raiva, tem tédio, tem tesão, tem ambições, defeitos e pontos fracos como qualquer um de nós. Uma vilã que finge, mas finge tão bem, que acredita nas próprias mentiras e passa a se misturar com a personagem que ela mesma constrói para enganar os outros. Carminha fingia ser religiosa, mas quando estava sozinha em apuros, não parava de rezar. Carminha fingia ter pena e culpa pelo que fez com Rita ou será que tinha de verdade? Carminha fingia considerar a família de Tufão sua família ou será que considerava de verdade? Uma vilã que tenta matar o homem que ama, mas faz isso sofrendo terrivelmente. Os limites de Carminha são borrados. Ela não é nada caricata ou maniqueísta. Ela é humana, complexa, intangível. Não só ela, mas vários outros personagens dessa novela também são assim, como Nina, Nilo e Suelen. Carminha não foi bem construída só pelo autor, mas também pela atriz. Adriana Esteves mostrou-se uma das melhores no que faz.

Negativo: Velocidade de desenvolvimento do enredo
Apesar de ótimo, o roteiro de Avenida Brasil foi lento. Desde a segunda semana da novela, quando ocorreu o fim da primeira fase, o roteiro aponta para a conclusão da vingança de Nina: destituir Carminha de seu lugar como esposa de Tufão. Porém isso só foi acontecer faltando duas semanas para o fim da novela. Se tivesse ocorrido faltando, por exemplo, dois meses, poderíamos ter visto a loira comer o pão que o diabo amassou por mais tempo e ter se redimido aos poucos, e não de forma brusca como teve que ocorrer no final.

Positivo: Fotografia
Ouso dizer que Avenida Brasil tem a melhor fotografia da história da nossa teledramaturgia. A câmera inquieta, os ângulos inesperados, a estética cinematográfica. Como não prender a respiração em momentos como a saída de Nina da cova ou a morte de Max? Como não amar loucamente as cenas de Ritinha e Batata no lixão? Aliás, a direção de arte dessas cenas é simplesmente melhor do que muita coisa premiadíssima.

Negativo: Perda das fotos da traição de Carminha
Esse foi um dos maiores erros da nossa teledramaturgia. Carminha não poderia, em hipótese alguma, ter virado o jogo roubando de Nina as fotos que provam sua traição. Simplesmente porque é óbvio que essas fotos estariam salvas online, em diversos locais. O que deveria ter acontecido é que Carminha deveria ter conseguido algo contra Nina que a deixasse de mãos amarradas e a impedisse de usar as fotos. Por exemplo: Begônia, a irmã de Nina, já foi viciada em drogas. E se Carminha descobrisse que ela veio para o Brasil ilegalmente, fugindo de um mandado de prisão por tráfico de drogas na Argentina? Nina não arriscaria mostrar as fotos para Tufão sabendo que por isso Begônia poderia ser denunciada por Carminha.

Positivo: Direção
Acho graça quando reclamam da representação da classe C na novela, por gritar demais. Essa estética inovadora do bairro do Divino é justamente um dos pontos altos da trama. As cenas na casa de Tufão são algumas das mais bem dirigidas que já assisti. Uma bagunça organizada divertidíssima. E sim, muita gente da classe C se comporta assim mesmo (minha família incluída)! Engraçado que só reclamam disso os intelectuais da classe B... Todos falando ao mesmo tempo, improvisando: muito bem feito!

Negativo: Escolha de Débora Falabella para Nina
Débora é uma ótima atriz, mas não se encaixa no papel. Não tem o carisma necessário. O embate entre Mel Maia e Adriana era justo. Com Débora no lugar, o carisma da loira a ofusca completamente. Eu teria apostado em Ísis Valverde...

Positivo: Bagunça de lugares entre mocinha e vilã
Uma mocinha que odeia, que quer vingança, que mente, engana. Uma vilã adorável que se redime no final. João Emanuel Carneiro ousou em bagunçar esses lugares, e fez isso muito bem. E o final pra essas duas também é perfeito e inovador. A gente não perde por esperar e assistir amanhã!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Eu sofro de verafrancismo

Eu sofro de verafrancismo. Quando escuto a Vera falando sobre algum autor de quem ela gosta, eu imediatamente me apaixono por ele. Ele torna-se um dos meus autores favoritos também. Passo a criar uma expectativa imensa em relação àquele autor. Passo a querer basear minhas próximas pesquisas em suas teorias.

Então vou ao autor para lê-lo pessoalmente. E dou com a cara na poeira. Onde está aquele autor encantador que estava presente no discurso verfrancístico? Onde estão aquelas ideias maravilhosas que a Vera me apresentou como se fossem dele? Leio, releio, e não acho. Pelo contrário: passo a achar um monte de ideias contrárias às minhas e às da própria Vera. Passo a tomar raiva e preguiça daquele autor.

Mas eu ainda o quero, ainda o desejo, e agora de forma ainda mais forte do que antes. Eu quero aquele Dewey, eu quero aquele Bakhtin! Não aqueles que escreveram Arte como Experiência ou Marxismo e Filosofia da Linguagem, mas sim aqueles que a Vera havia me dito que haviam escrito!

Por que a Vera consegue enxergar coisas nos autores que eu não vejo? Como ela lê o mesmo texto que eu e no final das contas parece que ela leu um texto totalmente diferente?

A Vera tem um jeito verafrancístico de ler. Ela entra no livro como uma faxineira, limpando com detergente e desinfetante tudo o que não serve, tudo o que não tem graça e achando por debaixo da poeira e das camadas de gordura o desenho bonito do azulejo português que assenta-se pelas páginas do livro.

Eu queria o óculos da Vera emprestado. Qualquer um daqueles óculos roxos, vermelhos ou verdes que ela fica trocando sem parar nas reuniões do Gris. Qualquer um dos que ela sempre usa como metáforas para os conceitos ou para as áreas do conhecimento, quando está tentando explicar algo epistemológico.

Mas os óculos da Vera só funcionam para ela... Ela, entretanto, compartilha com todo prazer aquilo que eles lhes mostram. Só que faz isso quase sempre de forma oral.

Não que a Vera não tenha publicado até hoje uma infinidade de livros, capítulos de livros e artigos. Mas é que a Vera que aparece ali, apesar de adorada pelos alunos da graduação, é muito menos do que a Vera face-a-face. A Vera autora se revela e se compromete muito menos do que a Vera professora. Isso não faz dela uma má autora, mas faz com que a autora não alcance a grandeza da professora.

Eu queria é que a Vera desse uma banana pra prudência e pra cautela e escrevesse um livro nos contando o que ela pensa sobre a comunicação, sobre a linguagem, sobre o mundo. Eu queria que ela escrevesse que leu Bakhtin e Dewey e a partir deles ela pensa tal e qual coisa. Ela, Vera França, pensa. A partir dos autores, sim. Mas pensa por ela mesma.

A Vera melhora a teoria desses autores e não apenas as interpreta, e é isso o que ainda falta à Vera autora assumir. Mas ainda dá tempo. Se todos os deuses quiserem, Vera ainda tem uma longa trajetória pela frente, e irá lançar um livro sobre Teoria da Comunicação em breve.

Mas mesmo que esse meu desejo de ver num livro a Vera botando a cara dela para que os outros batam não se realize, eu já sou eternamente e imensamente grato a ela. Grato porque mesmo que eu não consiga citá-la para defender nas minhas pesquisas muitos pontos de vista que ela me mostrou, o mais importante é que ela os tenha me mostrado. E nisso, Vera é imensamente generosa.

A discriminação como caminho para a felicidade

Toda vez que vejo um ser humano rindo de outro, paro para pensar o que motiva aquele ato. Eu, como ser humano, não sou diferente: também rio da cara dos que considero de algum modo piores do que eu. Mas a cada dia tenho visto nos outros menos motivos para rir. E isso não se deve ao fato de eu ter me tornado uma pessoa melhor, mas sim mais infeliz.

Estar acima do peso ideal é ser GORDO. Não se enquadrar nos padrões de beleza é ser FEIO. Não possuir alguma parte do corpo ou ter alguma parte do corpo com possibilidades funcionais reduzidas é ser ALEIJADO. Não ter tido acesso ao ensino formal ou não dominar a variante padrão da língua oficial é ser IGNORANTE. Não ser mais inteligente que a média é ser BURRO. Ser afeminado (no caso dos homens) é ser VIADO. Ser masculinizada (no caso das mulheres) é ser SAPATÃO.

Porque o fato de alguém ser gordo, feio, aleijado, ignorante, burro, viado ou sapatão me faria rir? Porque perceber nos outros essas características faz com que eu me sinta uma boa pessoa. Uma pessoa magra, bonita, saudável, culta, inteligente, feminina (no caso das mulheres) ou máscula (no caso dos homens). Somente percebendo que os outros não possuem características valorizadas, que eu acredito possuir, é que possuí-las torna-se algo bom. Somente rindo dos que não possuem tais características posso perpetuar a valorização dessas características e assim continuar sendo, de algum modo, uma pessoa superior. Desse modo, eu posso manter minha própria felicidade.

Não encontrar mais em si tais características valorizadas me faz infeliz e me faz deixar de achar graça na ausência delas também nos outros. Se o fato de não se encontrar no outro uma característica valorizada que se tem faz rir, encontrar no outro uma que não se tem dói e faz chorar.

domingo, 3 de junho de 2012

Avenida Brasil = A Favorita 2

João Emanuel Carneiro repete em Avenida Brasil os mesmos tipos presentes em A Favorita. Confere só:


A vilã linda e poderosa


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Flora e Carminha. Ambas são vilãs lindas, loiras e poderosas que a gente tanto ama. Ambas são dissimuladas, fingem-se de boazinhas, mas botam pra quebrar com suas maldades. Ambas se acham injustiçadas e pensam que tudo que fazem é o certo. Ambas são loucas assim do jeito que a gente gosta por causa de traumas do passado. Flora era traumatizada porque sua irmã adotiva Donatela era tudo o que ela não se achava: linda, boa cantora e amada por todos. Carminha é traumatizada por seu passado difícil no lixão.



A mocinha chata e revoltada

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Lara e Nina. Ambas brigam contra si próprias pra não cairem na revolta e na vingança. Ambas travam uma luta interna entre o bem e o mal. Ambas têm fantasmas do passado que as assombram. Ambas são songa mongas e têm cabelos de papa-capim. Em A Favorita, Lara era a filha de uma assassina presa por ter matado seu pai (daí seu trauma). Depois a Flora tenta fazer a cabeça dela para que ela acredite que sua mãe adotiva é quem, de fato, matou seu pai. Mas quando percebe quem é a real vilã, começa a querer lutar por justiça ao lado de Donatela. No final, ela tem que escolher se mata ou não Flora para salvar Donatela (conflito interno entre os dois lados da força).


A injustiçada barraqueira

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Donatela e [Monalisa + Lucinda]. Ambas as três falam alto e não têm modos. Ambas as três são incompreendidas por quem acha que essas características fazem delas bitches. Ambas as três comem o pão que o diabo amassou por causa disso. Em Avenida Brasil, Donatela, rival de Flora no amor e na ética, se desmembrou em duas, uma para cada uma dessas funções. 


O mocinho problemático

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Halley e Jorginho. Ambos são lindos e problemáticos. Ambos são o Cauã Reymond. Ambos são adotados, mas não sabem que sua mãe verdadeira está por perto. Halley era o filho roubado de Donatela em A Favorita. Em Avenida Brasil, Jorginho herda também um pouco do que compunha Lara: sua intuição lhe diz quem é a verdadeira vilã (sua mãe) e quem é a verdadeira mocinha.


O homem de bom coração enganado pela vilã

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Zé Bob e Tufão. Ambos tem esse jeito politicamente correto. Ambos não fazem quase nada na trama. Zé Bob foi "enfeitiçado" por Flora no início de A Favorita, mas depois percebeu seu real caráter e ficou com Donatela, sua rival também no amor.


O michê cafona

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Dodi e Max. Ambos vivem na casa dos ricaços fingindo ser o que não são. Ambos se vestem como o Agostinho de A Grande Família. Ambos são vilões meio burros que não fazem muitas maldades, mas vivem de pequenos golpes. Em A Favorita, Dodi era o pai verdadeiro de Lara e amante de Flora.


A velha injusta

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Irene e Muricy. Ambas adoram a candidata a nora errada. Ambas odeiam a candidata a nora boazinha, mas barraqueira. Irene era sogra de Donatela em A Favorita.


A namorade gente boa

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Cassiano e Débora. Ambos são bonzinhos e gente boas, e a gente torce por eles, mas sabe que eles não vão ficar com quem gostam... Cassiano era o namorado de Lara em A Favorita.


O velho vira-casaca

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Silveirinha e Nilo. Ambos sabem muitos segredos do passado. Ambos são leais a quem lhes der dinheiro e um pouco de carinho. Silveirinha mudou de lado em A Favorita, deixando de ajudar Flora e se aliando a Donatela.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

As formas de amor e as violações nas expectativas por reconhecimento

A única forma como podemos acessar o nosso eu é vendo-o através do outro. As pessoas com as quais convivemos funcionam pra nós como espelhos. Só através delas podemos nos autoavaliar e receber os parâmetros necessários para descobrir se estamos ou não adequados às expectativas sociais existentes em relação a nós. Axel Honneth, através de sua teoria do reconhecimento, acredita que cada indivíduo precisa de um conjunto de respostas dos demais para se afirmar enquanto pessoa. O reconhecimento seria a confirmação do outro de que nós estamos aptos à convivência social.

Honneth distingue três níveis de reconhecimento: o amor, o direito e a estima. O amor diz respeito às formas elementares de afeto. A corporeidade, a sexualidade, o carinho e o cuidado estão ligados a ele. O direito refere-se à existência de uma posição de equivalência em relação aos demais indivíduos. Ele é alcançado a partir do momento em que somos tratados de forma equânime àqueles que convivem conosco. A estima seria o inverso: contemplaria a posse de qualidades que tornam cada indivíduo único, e, portanto, especial e necessário a uma comunidade.

O reconhecimento envolve uma expectativa por parte dos indivíduos. Estamos permanentemente demandando reconhecimento dos outros. Mas frequentemente ocorrem violações em nossas expectativas por reconhecimento. Tais violações podem ser de dois tipos: negativas ou positivas. As violações negativas dizem respeito à ausência pura de demonstrações de reconhecimento. No caso do amor, por exemplo, uma violação negativa seria uma mãe que nunca afaga o filho. As violações positivas por outro lado, referem-se à existência de um comportamento inverso ao esperado, como o de uma mãe que espanca o filho.

O amor, nível de reconhecimento mais elementar, pode ser divido entre três diferentes formas: o amor familiar, o amor-amizade e o amor sexual. O amor familiar é aquele que demandamos dos primeiros indivíduos aos quais temos acesso em nossa trajetória de vida, como nossos pais, tios, avós e irmãos mais velhos. Mais tarde, o mesmo tipo de reconhecimento passa a ser demandado de nós por nossos filhos, sobrinhos, netos e irmãos mais novos. Nesse momento, acabamos por demandar também deles o mesmo tipo de reconhecimento que lhes oferecemos. Isso porque o reconhecimento implica reciprocidade: o sujeito que reconhece o outro também demanda reconhecimento dele. O amor familiar está ligado principalmente ao cuidado e ao carinho.

O amor-amizade é aquele que passamos a demandar dos indivíduos com os quais temos contato a partir do momento que nos afastamos de nossos familiares. São os vizinhos, colegas de escola, de trabalho ou de lazer. Esse tipo de amor está ligado ao companheirismo e à cumplicidade. Uma violação positiva desse tipo de amor seria o bullying. O amor sexual, por sua vez, é demando por nós em relação àqueles que nos atraem sexualmente. Ele está ligado às carícias, estímulos e ao sexo propriamente dito. O estupro seria uma violação positiva desse tipo de amor.

Cada um desses tipos de amor não é exclusivo. Possíveis combinações dessas expectativas por reconhecimento são feitas por nós em relação a cada pessoa com a qual convivemos, de acordo com as especificidades da relação. Duas pessoas casadas, por exemplo, geralmente esperam uma do outra todas essas três formas de amor.

O ato de reconhecer o outro implica enxergar nele determinadas características que lhe tornam apto para ser reconhecido. No caso do amor familiar, por exemplo, o reconhecimento geralmente envolve um laço biológico: uma vez que fulano é filho biológico de sicrana, então provavelmente sicrana lhe dará amor familiar. No amor-amizade, as afinidades constituem o critério elementar. Ter visões de mundo parecidas, gostar das mesmas coisas, apresentar tipos de comportamento compatíveis. Em relação ao amor sexual, por sua vez, o que está em jogo é o desejo, despertado principalmente pela aparência física e pelo performatividade de gênero.

Violações em nossas expectativas por reconhecimento, sejam elas positivas ou negativas, são extremamente nocivas à visão que temos de nós mesmos. Podem gerar profundos estados depressivos nos indivíduos, especialmente se expostos a elas por longos períodos. Essas violações são especialmente problemáticas para quem não consegue se adequar às características que poderiam lhe proporcionar o reconhecimento esperado. Um órfão, por exemplo, perde o laço biológico que tinha com seus progenitores, correndo o risco de ficar sem acesso ao amor familiar. Uma pessoa com comportamentos ou opiniões muito alternativas ou desviantes, por outro lado, pode não conseguir ter acesso ao amor-amizade. Já uma pessoa considerada feia pela maior parte das outras com quem convive tem poucas chances de alcançar o amor sexual.