segunda-feira, 24 de março de 2014

SIM, ESSA IGREJA EXISTE

Uma igreja que tem como princípio fundamental a luta pelos direitos humanos, que estimula o desenvolvimento do senso crítico de seus fiéis e que crê num Deus que nunca condena.

O meu primeiro contato com essa igreja, a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), foi através do Facebook. Nele, a igreja divulga eventos produzidos pelo Nuh, o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT, da UFMG, e muitos outros relacionados à militância LGBT.

Ontem fui à ICM pela primeira vez. Não haveria nenhum culto, mas sim a exibição comentada de um filme: The Falls (Jon Garcia, Canadá, 2012). O filme trata de dois homens mórmons que se apaixonam um pelo outro. Numa peça divulgada no Facebook, através da qual eu fiquei sabendo dessa exibição, havia a frase: “nossa sexualidade é um paraíso e não um pecado”.

Logo que entrei na igreja, me deparei com uma série de cartazes que explicavam sua proposta. A ICM foi fundada nos EUA, em 1968, e tem como um princípio fundamental a luta pelos direitos humanos. Com sedes em diversos países, mais de 50% de seu corpo de clérigos é composto por mulheres. No Brasil, ela existe desde 2004, e em Belo Horizonte, desde 2006.

Dentre todos os cartazes que ali estavam, o que mais me chamou a atenção continha o seguinte texto: “’As vadias vos precederão no reino de Deus’ Mateus 21:31 – Mulheres lésbicas, bissexuais e heterossexuais unidas pelo direito da mulher usar o corpo como quiser”.

Depois que o filme acabou, o pastor fez comentários afirmando como o senso crítico é importante para qualquer pessoa, inclusive as religiosas, e como os dogmas e doutrinas das igrejas são excludentes e prejudiciais à fé. O que mais me chamou a atenção em sua fala foi ele ter dito que acreditava que a parte do filme na qual Deus se fazia mais presente era numa cena em que os dois personagens se libertavam de todos os seus dogmas, vivendo experiências leves e prazerosas na companhia de um homem não religioso que eles haviam conhecido (na cena, os dois se permitem ter experiências como fumar maconha pela primeira vez, por exemplo).

Os demais presentes foram chamados a participar da discussão e houve debate sobre temas como o preconceito contra homens “passivos” entre os próprios homossexuais, a possibilidade de o novo papa estar realmente preocupado com os fiéis gays (ou simplesmente estar tendo posicionamentos liberais por estar preocupado com a queda do número de fiéis católicos), a positividade de ter havido um personagem gay vilão numa novela das nove (para mostrar que gays são pessoas como quaisquer outras, e não apenas pessoas que se resumem a serem gays), a dificuldade de se levar essas temáticas para as escolas (vista no cancelamento da circulação do chamado “kit gay”) e o fato de a ICM não ser uma “igreja gay”, mas uma igreja para qualquer pessoa, inclusive gays.

Hoje, eu voltei à ICM para um assistir a um culto. Ouvi primeiramente a uma explanação do pastor sobre um texto do evangelho de João. Ele se preocupou em dar muitas referências sobre o contexto no qual Jesus vivia, para que o texto pudesse ser interpretado a partir disso. A passagem era sobre uma samaritana para quem Jesus pede água, em um poço.

O pastor explicou que, geralmente, o fato de Jesus ter dito a ela que ela já tinha tido seis maridos é visto como um “puxão de orelha” dado por ele. Mas o pastor acredita que o que Jesus estava fazendo ao dizer isso é, na verdade, apontar para a força dessa mulher que quebrou com as regras de sua época para lutar por sua realização amorosa. Ele defendeu que Jesus nunca foi moralista, e que o que ele queria dizer é que dogmas e doutrinas promovem um contato muito superficial e externo com Deus, e o contato verdadeiro seria de outra natureza. Por fim, ele defendeu que Deus é sempre amor, misericórdia e salvação, e nunca condenação.

Posteriormente, houve a oração do “creio”, que, na versão da ICM, reafirma a crença nos direitos humanos e na não violência. Depois, as ofertas foram precedidas de um discurso que o pastor chamou de “lavagem cerebral” (devido ao fato de ele repeti-lo toda semana), mas necessário para quebrar com os dogmas existentes: ele afirmou que não há na ICM cobrança de dízimo, mas sim pedido de oferta, de qualquer valor e não obrigatória. Lembrou também que quem doasse deveria fazer isso sem esperar nada em troca de Deus, porque Deus não faz barganha. Em seguida, houve uma comunhão à qual todos foram convidados a participar. Nos avisos, a lembrança de que na próxima semana, como em toda última semana do mês, seriam apenas as mulheres da comunidade quem preparariam e conduziriam o culto.


A busca por uma igreja diferente

Desde que comecei o mestrado, há um ano, eu tento entender quais são as disputas e vínculos que unem LGBTs e evangélicos na contemporaneidade. Nesse processo, eu já entrei em contato com 12 igrejas evangélicas diferentes. Cada uma com seu perfil próprio em relação a esse tema e a diversas outras questões.

Desde o começo, eu descartei completamente a possibilidade de fazer uma separação maniqueísta entre evangélicos e LGBTs, de forma a considerá-los grupos isolados em que um era o mal e o algoz, e o outro era o bem e a vítima.

No começo, eu defendi a importância de se investigar maneiras através das quais LGBTs e evangélicos pudessem superar seus conflitos a fim de gerarem vínculos de outra natureza que não a do combate, que eu já sabia que iria encontrar.

Nessa busca, cheguei a uma igreja inclusiva de Belo Horizonte. E, dentre todas as igrejas que conheci, continuei frequentando duas: uma com um discurso fortemente demonizador em relação à homossexualidade a essa igreja inclusiva.

Para ela, a homossexualidade e a transexualidade não são pecados, mas, todas as demais proibições correntes nas igrejas evangélicas em geral fazem-se igualmente presentes nela. Por exemplo: não se pode ouvir música que não seja gospel, nem usar álcool, nem ter experiências sexuais de forma livre.

Nesta semana, eu conheci outra igreja inclusiva, a ICM, que apresenta uma proposta de vínculo entre LGBTs e evangélicos completamente diferente das demais.

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