terça-feira, 31 de dezembro de 2013

POR QUÊ, DIABOS, A GENTE AMA O FÉLIX?

09/01: Atualizações em verde.
01/02: Atualizações em roxo.

Há cerca de um ano atrás, escrevi duas análise a respeito de Carminha, de Avenida Brasil (elas estão aqui e aqui). O fascínio do público por uma vilã tão forte me intrigou e me fez refletir o motivo de tanta adoração. Este ano, um fenômeno parecido se repete com o gosto do público por Félix. Mas Félix e Carminha, apesar de ambos serem vilões, são personagens com perfis muito diferentes. Dessa forma, mais uma vez eu precisei refletir muito para conseguir pistas sobre os motivos dessa nova identificação. Amor à Vida ainda não terminou, mas me arrisco, desta vez, a construir uma análise no calor do acontecimento, mesmo que ela tenha que ser revista depois.

Comparando Félix com Carminha, evidencia-se claramente uma diferença básica. Carminha não tinha um perfil de psicopata: ela sofria constantemente por culpa e remorso em relação às maldades que cometia e não tinha o sangue frio necessário para matar seus inimigos. Félix, por outro lado, foi capaz de abandonar à morte uma criança recém-nascida, sem nenhuma dificuldade e sem remorsos posteriores.

A figura do psicopata, no discurso médico, é a pessoa que, devido a um transtorno mental, não possui a capacidade de processar sensações como a culpa, o remorso e a empatia (colocar-se no lugar dos outros). Na novela, ela aparece, em uma discussão entre Bernarda e Pilar, como a pessoa que, devido a uma doença mental, é absolutamente malvada. Bernarda não acredita que o neto seja um psicopata, mas sim que apresenta um perfil psicológico parecido com o de um psicopata, devido a uma “falta de amor”.

O caminho encontrado por Walcyr Carrasco para salvar Félix foi similar ao de João Emanuel Carneiro para salvar Carminha: transferir o vilão. Walcyr, além de conduzir melhor essa transferência (afinal, ele já tinha o exemplo da pioneira, mas abrupta forma encontrada por João Emanuel Carneiro), o fez de forma mais pulverizada. No caso de Carminha, toda a maldade recaiu sobre seu pai, Santiago. Para aliviar a barra de Félix, a vilania do roteiro foi transferida primeiramente para César, mas depois para Amarylis e Aline. Por hora, vejamos apenas a situação de César.

Félix teria se tornado uma pessoa com “um perfil próximo ao de um psicopata” devido à “falta de amor” relegada a ele por César, graças à sua “afeminação” e à culpa que o pai lhe atribuía pela morte do irmão mais velho, Cristiano. Dessa forma, assim como Carminha se inocentou da responsabilidade por sua maldade devido ao fato de ela ter sofrido duramente durante a infância, também Félix torna-se isento de sua responsabilidade devido ao fato de ter adquirido seu perfil psicológico graças à forma como seu pai lhe tratara.

Bernarda acredita que Félix possa ser capaz de mudar seu perfil psicológico ao receber o amor que sempre lhe faltou, ao entrar em contato com a alma de um anjo (metáfora criada por Niko). É isso o que acontece com ele quando o vilão passa a viver com Márcia e torna-se próximo a Niko. A sacada é antiga: a narrativa da redenção por meio do amor sempre foi uma das bases dos enredos das telenovelas. Márcia e Niko seriam os anjos da metáfora, capazes de transformar Félix.

Mas para o discurso médico, a psicopatia é algo irreversível, apesar da crença recorrente das pessoas próximas ao psicopata de que ela seria possível. O posicionamento de Bernarda, ao não enquadrar o neto como psicopata, mas sim como alguém que tenha adquirido um “perfil parecido com o de um psicopata” vai nessa direção: tenta tirar da visão que se tem do neto a impossibilidade de mudança, ao negar-lhe esse rótulo. Ora, qual seria a diferença entre um psicopata e alguém com o “perfil parecido com o de um psicopata” senão, justamente, a possibilidade de reversão desse quadro?

Mesmo assim, Walcyr tinha um grande pepino em suas mãos: como transformar Félix em uma pessoa melhor sem negar o perfil psicológico que ele próprio construiu para a personagem? Félix, em nenhum momento mostrou, de fato, remorso ou culpa pelos atos que cometeu. Pelo contrário, conversando com Márcia, ele disse aos risos: “Eu? Ficar cuidando da Marijeyne? Não, não, não! Não suporto criança! Já joguei uma na caçamba, posso jogar ela também. Você não tem medo disso?”. Entretanto, logo na sequência, vendo-se obrigado a cuidar da criança, ele aprendeu, com essa experiência, que uma situação que ele considerava ruim (o convívio com crianças) pode ser, na verdade, muito boa.

É também pela experiência que ele aprendeu porque determinadas ações não devem ser feitas, como o ato de abandonar uma criança à morte. Afinal, tal ação foi o que fez com que ele passasse por várias experiências negativas, como perder o status social e econômico que ele possuía. Ao invés de sofrer de remorso por ter cometido as coisas que cometeu, Félix foi condicionado, pela experiência, a considerar um erro realizar ações como essas. 

Acima de tudo, Félix aprendeu que há outras formas, outros meios para se conquistar as coisas na vida. Enquanto a forma que ele usava funcionava (ou pelo menos parecia que iria funcionar), ele continuou com ela, mas quando ela falhou, ele viu que a cooperação pode funcionar melhor. Esperto como é, adaptou-se e aprendeu a jogar o jogo da vida com cartas novas.

Outra característica do perfil psicopático que Félix apresenta é fazer-se o tempo todo de vítima, com seus bordões do tipo “Eu devo ter salgado a santa ceia para merecer” isso ou aquilo. Mas, o próprio discurso médico aponta que a psicopatia manifesta-se em diferentes graus. Félix mostrou-se capaz de apresentar empatia por pessoas que lhe ajudaram em momentos de dificuldade, ou seja, Márcia e Niko. Inclusive, dando para Márcia metade de seu rendimento mensal. Mostrou empatia também pelo filho de Aline e César, ao vê-lo abandonado como antes ele abandonara Paulinha. 

Numa segunda fase, Amarylis aparece como a vilã à qual Félix se opõe como herói para salvar Niko. Posteriormente é Aline que ele combate para salvar César. E é isso o que proporciona sua reconciliação com Paloma, e depois também com Paulinha. É a partir dessa reconciliação que fica evidente o quanto ele mudou: não aceita um cargo de presidência no hospital, que antes era seu objetivo, porque agora tem outros planos de vida.

Mas Félix não mudou assim da água para o vinho, e isso aponta uma coerência da personagem, que faz com que sua trajetória não fique agarrada na goela dos telespectadores, mas desça, ganhando a confiança deles de que ela, por ser verossímil, parece verdadeira. O "ato de generosidade" que realizou ao entregar o pendrive de Mariah a Paloma, relevou ele no dia seguinte à sua Mami Poderosa, foi, antes de mais nada, uma estratégia para distrair Bruno e Paloma e sair ileso depois de toda a confissão, que só ocorreu por pressão de Pilar, que ameaçava tirar-lhe os luxos reconquistados.

Depois da sessão de revelações, Félix foi até a casa de Niko se esforçando pra sentir dor e arrependimento pelas coisas que fez e que, agora com seu novo julgamento à respeito de como é e como não é adequado agir, considera erradas. Mas o esforço imenso pra se atingir um sofrimento raso e efêmero é de dar pena (não do ator, como sempre ótimo, mas da personagem).
Também quando Paloma se reconcilia com ele, ele não chora, apenas se emocionando quando ela lhe oferece um cargo no hospital. Mas consegue se emocionar de fato ao receber do pai o reconhecimento que sempre lhe faltara.

Passar toda a verdade a limpo foi algo importante para a trajetória da personagem. Assim como também foi importante ele ter recebido uns tabefes de Paloma, afinal, o público de novela já demonstrou que gosta de uma boa vingança, e que ela ajuda muito a deixar as personagens quites (vide Carminha e Nina de Avenida Brasil).

Pagar pelos seus atos também é algo que João e Walcyr usaram para redimir seus vilões. Carminha pagou indo morar no lixão com Lucinda. Félix iniciou seu pagamento tendo que vender hot dog ao lado de Márcia. Respeitando o seu “perfil próximo ao de um psicopata”, Félix adaptou-se rapidamente à sua nova realidade, autointitulando-se o “rei do hot dog”. No fim, ele e César pagaram mutuamente: tendo que conviver um com o outro, com suas diferenças e dificuldades.

Algo que sempre me incomodou nos discursos sobre a psicopatia é a crueldade com que se condena o psicopata ao isolamento social. O psicopata, ou alguém “com o perfil parecido com o de um psicopata”, como quer Bernarda (afinal, o que é esse termo além de um rótulo dado às pessoas com esse perfil pela medicina?), não é responsável por sua incapacidade de sentir culpa e empatia, que é o que o leva a ser capaz de cometer atos prejudiciais aos outros com tanta naturalidade. Não havendo a possibilidade de reverter essa incapacidade, não haveria nenhuma outra forma de condicionar o psicopata ao bom convívio social? Félix é a visão esperançosa de que sim, por isso é uma personagem tão conquistadora.

É claro que esse é apenas um dos elementos que fazem com que a personagem seja tão querida. Há outros mais evidentes, e talvez mais fortes, mas que, acredito eu, não seriam capazes de gerar tamanha identificação sem o complexo esquema que analisamos até então.

Esses elementos evidentes são parecidos com os que possuía Carminha. Félix, além de ser bem construído pelo autor, é interpretado por um ótimo ator. O vilão é carismático devido ao seu bom-humor e sua autenticidade. Ele é uma personagem única, forte e impositiva, que acredita no que diz (ele não cansa de dizer que é mal) e no que faz. Apesar das encenações de falsidade em relação a outras personagens, sua real face foi apresentada para nós desde o começo, o que adiciona o elemento da cumplicidade que sentimos em relação a ele, e não a Amarylis e Aline, por exemplo.

Não é à toa que o final da novela foi focado na relação dele com seu pai. Não é a toa que essa personagem deu o primeiro beijo gay da nossa teledramaturgia. O beijo e o tão sonhado "eu te amo" vindo de César foram os pagamentos recebidos por ele por ter sido tão amado pelo público.

Um comentário:

  1. Adorei o texto, Van!

    Primeiro, o Matheus Solano é lindo, tal qual a Adriana Esteves, hahaha! Lindos, divos <3

    Segundo, concordo com você sobre a questão da transferência pro pai. Eu detesto o César. Ele é o grande vilão, e o que me dá mais raiva é ver agora a Aline pagando de vilã sendo que ela está é fazendo um favor por mundo de livrá-lo daquele lixo velho. Deveria matá-lo logo.

    Aliás, acho a novela uma porcaria, nem vejo direito e não suporto a Pamonha, o que também me ajuda a ignorar as maldades que o Félix fez pra ela. Ela é tão chata, mas tão chata, que sei lá se me importo com ela.

    Sou psicopata? rsrsrs

    O bom do Félix é que sendo todo mundo chato e ruim, tá mais fácil pra ele ser redimido pelo amor. Tô doida pra ver Niko e Félix felizes para sempre com Márcia junto! <3

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