segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A maldade fascinante de Avenida Brasil


A teledramaturgia é a minha maior paixão desde que eu me entendo por gente. Já assisti centenas de novelas, minisséries e seriados brasileiros, estadunidenses, mexicanos, colombianos, argentinos. Mas em todo esse tempo, eu nunca vi um fenômeno tão instigante e tão fascinante quanto a paixão do público brasileiro por uma vilã da magnitude de Carminha, de Avenida Brasil. Mas porque uma personagem tão má se tornou tão amada?

Primeiro por suas características psicológicas. Carminha foi uma criança que viu o pai matar a mãe a sangue frio, que foi abusada e abandonada por ele, que cresceu num lixão sendo explorada por um homem asqueroso. O resultado desse processo foi ela ter se tornado extremamente carente e egocêntrica. Carminha aprendeu a manipular, a jogar jogos com as cartas dos outros, para sobreviver. Carminha aprendeu a criar fantasias em sua mente, nas quais era ela quem mandava, nas quais todo aquele sofrimento não a afetava. E Carminha caiu na sua própria armadilha: enganou a si mesma e se confundiu com as personagens que criou. Chegou a um momento em que não sabia se era a esposa apaixonada de Tufão ou sua carrasca.

Na casa de Tufão, Carminha entrou atrás de dinheiro, mas encontrou muito mais que isso. Encontrou todo o afeto, atenção e cuidado que ela nunca teve. Cercada de pessoas que a amavam e a admiravam, incluindo Max, o homem pelo qual ela era apaixonada. Carminha passou doze anos na casa de Tufão, desviando dinheiro dele com a maior facilidade, mas nunca chegou a dar o golpe final para fugir com Max, como ela lhe prometia. Por quê? Porque ela gostava de viver na casa de Tufão, ela gostava da vida que levava ali, aquilo se tornou a coisa mais importante da vida dela.

Carminha não é psicopata, não é friamente cruel, como seu pai. Ela ama, sente culpa, sente pena, sente tristeza. O amor incondicional que ela sente por Jorginho transbordava claramente desde o início da trama. Esse amor imenso se baseava em dois pilares: na culpa que ela sentia por tê-lo abandonado e no orgulho que sentia por ter sido capaz, pelo menos por alguns anos, de manter uma vida normal ao lado de Max. Jorginho era a esperança de Carminha de poder fazer algum bem, de ser diferente de seu pai e de Nilo. Ser igual a seu pai era seu pior medo, e o asco que sente por ele também transbordava.

A pena e a culpa em relação a Rita também eram claras. Ela teve mais de uma chance de matá-la: quando criança, quando na cova, mas não o fez. Pelo contrário, ela sempre arrumava um jeito de tentar tirá-la da sua vida, afastando o objeto de sua culpa, e tentando encamilhá-la para uma vida minimamente digna em algum outro lugar. Foi assim quando ela tentou ajudar Betânia pensando que era Rita. Foi assim quando ela tentou afastá-la de sua casa quando descobriu que ela e Nina eram a mesma pessoa. Carminha tinha medo de ser para Rita o que seu pai foi para ela. Carminha inventava histórias sobre sempre ter ajudado e amado Rita não para enganar os outros, mas para enganar a si mesma. Por isso ela contava essas histórias para Nina, que considerava uma amiga. Para ver em Nina a compreensão de que ela precisava.

A condicionalidade da crueldade de Carminha se mostra na sua dificuldade quase insuperável de matar. Quando resolver fazer isso com Max, tomou todo o cuidado para que ele se sentisse feliz o máximo possível e para que não soubesse que ia morrer. E não conseguiu fazer por ela mesma: teve que solicitar a Lúcio que fizesse. Mas por que matá-lo? Porque Max, ainda mais que Nina (a qual ela não conseguiria matar por sua culpa) podia tirar-lhe o afeto da família Tufão. Foi quando Max ameaçou contar a todos a verdade, e ela sabia que ele realmente faria isso, que a situação se tornou insustentável para Carminha. E olha que a situação para ela na casa do Tufão já estava praticamente perdida. Por que não dar um golpe nele de vez e sumir? Porque ela queria lutar até o fim para manter aquela vida que levava. Carminha só conseguiu matar com as próprias mãos, quando Max estava prestes a acabar com a vida de Nina, Jorginho, Tufão, Lucinda e todos aqueles que ela mais amava e queria proteger, mesmo sem admitir.

E foi a culpa o que salvou Carminha. A culpa por ter feito tanto mal a Nina, a Tufão, a Jorginho, a Ágata, a Max. E também o afeto que recebera deles, que mostrou-lhe outras possibilidades. Ela precisou ser confrontada com seu pai para ter claro em sua mente o que ela queria e o que ela não queria ser. Todos nós temos conflitos internos, perverssidades contra as quais lutamos, por isso nos sentimos tão perto de Carminha.

Em segundo lugar, o que nos atraiu para ela foi o poder que ela tinha em suas mãos, com sua capacidade de manipular e passar por cima de limites éticos. Carminha não é a primeira vilã pela qual nos apaixonamos, basta lembrar de Nazaré, de Senhora do Destino, por exemplo. Aliás, não é à toa que foi a talentosíssima Adriana Esteves quem viveu essa outra na juventude. Renata Sorrah, inclusive, afirmou ter baseado sua Nazaré na de Adriana. Quem não gostaria de ser capaz, às vezes, de passar por cima de seus princípios para conseguir aquilo que quer? Nos identificamos com a maldade dessas vilãs porque desejamos ser capazes de ser malvados assim às vezes, e de fato, às vezes somos.

O final de Carminha poupou ela da morte, destino das vilãs mais odiadas, mas não lhe deu a fuga. Ela pagou pelos seus erros da pior forma: convivendo com as consequências deles pelo resto da vida. A perda de seus cabelos loiros (já ocorrida quando Nina estava comandando) é simbólica: Carminha perdeu com eles seu brilho. Mas não sua personalidade: continuou reclamando, exigindo e resmungando como sempre.

Um comentário:

  1. Adorei o Texto van. Eu era loucamente apaixonado pela Nazaré por que ela me fazia rir muito. Quando no espelho se chamando de "raposa felpuda", quando zoando os filhos da maria do carmo, falando "nunca mais te pago sorvete!", chamando a rival de "anta nordestina". Ela era divertidíssima. Mas aí depois veio a Flora, que, pra mim, foi uma vilã mais cruel e psicopata que Nazaré, mas também era um pouco divertida. Apesar de ter um tom mais sombrio... Pra nazaré às vezes parecia tudo uma grande brincadeira. Já a Carminha foi diferente. Não me fascinei por que ela fazia piada e era divertida. Gostei dela por que ela era mais FORTE. Era MELHOR. Superou a NINA quase a novela inteira. No final das Contas a nina não conseguiu a vingança, o Max que se vingou de Carminha. A Carms me fascinou por que ela conseguia fingir com uma facilidade, e ela fazia aquele teatro, e era falsa até falar chega. Acho que é o personagem mais falso que eu vi até hoje em novelas. Claro, a Nina não ficou pra trás. Logo no início da novela eu tinha uma dúvida constante, eu fiquei dividido. Não sabia qual das duas eu admirava mais, qual das duas era mais corajosa, qual conseguia ser mais calculista e determinada. As cenas da Nina enganando a carminha são ótimas. Nessa época eu quase preferi a Nina rs. No final, as duas souberam ser falsas. Mas sei lá, a carms é mais corajosa, vai mais pra luta, FAZ e ACONTECE. Luta pelo que ela quer. É determinada. É uma puta personagem, fim.

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