quarta-feira, 19 de novembro de 2014

DISCRIMINAÇÃO E CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA


Ontem à noite, eu e outro homem estávamos juntos num bar no Centro de Betim (Gira Sol, ótima batata recheada, por sinal). Nos sentamos um perto do outro, trocamos não mais do que meia dúzia de selinhos, e ele fez um cafuné no meu cabelo. Nada que qualquer casal hétero não faça na frente de seus filhos e de seus pais, ou no banco da igreja. Um garçom se aproximou.

Garçom: "Por favor, o gerente pediu que eu pedisse a vocês que não ficassem juntos demais, pois há famílias com crianças aqui. Não é nada contra vocês, não temos preconceito, mas vocês sabem, tem gente que tem."

Eu: "Ok. Mas no momento a gente tá junto demais?"

Garçom: "Bom, ele só pediu pra evitarem de ficar muito juntos."

Eu: "Mas o que é ficar muito junto? Só pra saber, porque quero entender se a gente já fez alguma coisa indevida até agora ou não."

Garçom: "Bom, só estou transmitindo o recado."

O outro homem que estava comigo, para o garçom: "Tudo bem, não tem problema."

Eu, para o garçom: "Bom, tem problema sim. Mas a gente já entendeu o que você queria falar." 

Continuamos próximos, mas sem clima pra selinhos ou cafunés. No final, depois de conversar com o outro homem que estava comigo, chamei o garçom.

Eu: "Você é um excelente garçom, nos serviu muito bem. Mas não vamos pagar a taxa de serviço, porque fomos desrespeitados pelo estabelecimento. Não fizemos nada demais e vocês nos repreenderam mesmo assim."

Garçom: "Tudo bem. Mas só falamos para evitar constrangimentos. Tem gente que poderia reclamar."

Eu: "Alguém reclamou?"

Garçom: "Não."

Eu: "Vocês vão à mesa de casais héteros falar essas coisas com eles?"

Garçom: "Se eles estiverem passando dos limites, sim."

Eu: "Nós estávamos passando dos limites?"

Garçom: "Bom, a intenção era só evitar constrangimentos."

Eu: "Pois o que vocês fizeram foi criar um constrangimento. Nós havíamos pensado em ir conversar com o gerente, mas como ele também não veio conversar com a gente e pediu pra você transmitir o recado, também pedimos a você que transfira o nosso recado a ele."

Quando estávamos saindo, vimos um casal hétero em outra mesa dando um beijão de língua. Fiz questão de ir ao garçom mais uma vez.

Eu: "Olha, tem um casal hétero ali dando um beijão de língua, coisa que nós dois não fizemos em nenhum momento em que estivemos aqui."
Ele: "Ok."

Compartilhei o caso num grupo LGBT do Facebook, acreditando que ia encontrar alguma compreensão e suporte. Galera foi tosquíssima comigo, me dizendo que eu era culpado pela agressão, por não ter exigido uma retratação do gerente e não ter ido a uma delegacia prestar queixa. Como se sofrer preconceito não fosse ruim o bastante, ainda somos por vezes culpabilizados pelos preconceitos que sofremos. Como se eu fosse obrigado a terminar uma noite que era pra ser perfeita e que já havia sido bastante afetada, me desgastando ainda mais em uma delegacia, acabando de vez com o resto da alegria que ainda me sobrava, pela companhia com quem eu estava. Palmas pra quem tem ânimo pra fazer isso. Eu, além desse preconceito, tenho que enfrentar um transtorno bipolar que me deixa extremamente vulnerável a tudo isso.

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