segunda-feira, 20 de outubro de 2014

SOBRE HOMENS FEMINISTAS


Em 1990, uma das principais estudiosas de gênero de todos os tempos, Judith Butler, já se questionava, em Problemas de Gênero, se considerar as mulheres o sujeito do feminismo não seria reforçar as dicotomias de gênero que o próprio feminismo procura enfraquecer: "Seria a construção da categoria das mulheres como sujeito coerente e estável uma regulação e reificação inconsciente das relações de gênero? E não seria essa reificação precisamente o contrário dos objetivos feministas?"

A música "***Flawless", de Beyoncé, é intermediada por uma fala da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, na qual ela diz: "Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos". A frase é de um discurso chamado "Todos nós deveríamos ser feministas", proferido por ela no TED, uma fundação estadunidense conhecida por suas conferências. Mas essa definição apontada por Chimamanda é, segundo ela, como o termo "feminista" aparece nos dicionários. Ela própria define feminista como "um homem ou uma mulher que diz: 'Sim, há um problema com os gêneros como eles são hoje, e nós devemos consertar isso, nós devemos fazer melhor'".

A atriz britânica Emma Watson, neste ano, também fez um discurso sobre igualdade de gênero nas Nações Unidas, para a campanha HeForShe (ElePorEla), no qual ela disse: "Homens, eu gostaria de usar esta oportunidade para estender o convite formal feito a vocês. Igualdade de gênero é seu problema também. [...] Homens também não têm o benefício da igualdade. Nós não costumamos falar sobre homens sendo aprisionados pelos estereótipos de gênero, mas eu posso ver que eles são, e quando eles estiverem livres, as coisas vão mudar para as mulheres como consequência natural. Se homens não tiverem que ser agressivos, mulheres não serão obrigadas a ser submissas. Se homens não tiverem a necessidade de controlar, mulheres não precisarão ser controladas. Tanto homens quanto mulheres deveriam ser livres para serem sensíveis. Tanto homens quanto mulheres deveriam ser livres para serem fortes". O discurso da atriz foi fortemente criticado por parte das feministas.

Muitas feministas apontam que há limites na experiência de homens e mulheres que não permite a eles entender como elas se sentem. Concordo plenamente. Mas entre as próprias mulheres, há uma série de diferentes experiências. Uma mulher negra e uma branca, uma rica e uma pobre, uma cristã e uma ateia, uma homossexual e uma heterossexual, uma cis e uma trans, uma nordestina e uma paulista têm experiências como mulher muito distintas. Da mesma forma, há diferentes experiências entre os homens. Um homem cis e um trans, um heterossexual e um homossexual possuem status muito diferenciados dento do sistema de gênero. Um homem trans foi socializado na infância com sendo mulher e tem que enfrentar a dificuldade constante de deixar de ser visto como uma (o que faz com que ele sejam, em geral, bem aceitos no movimento). Um homem homossexual passa boa parte da vida sendo chamado de "mulherzinha" e sofrendo violência física e psicológica. Entre eles, reproduz-se esses mesmos padrões de gênero entre ativos e passivos, discretos e afeminados. E mesmo o homem cis e hétero, como apontado por Emma Watson, têm que se submeter a uma vigília constante em relação à sua masculinidade. Não obstante, é óbvio que esse sistema dá vantagem aos homens em relação às mulheres.

Algumas feministas mais radicais costumam chamar os homens que se denominam feministas de feministos, como uma forma de desvalorização. Qualquer argumento de que o machismo traz prejuízos também a homens é chamado por elas de "male tears" (lágrimas masculinas) e ignorado. Segundo essas feministas, elas não têm obrigação de ensinar homem nenhum. Concordo. Mas se as feministas não ensinarem, então quem vai? Uma coisa é não ter, outra é não conseguir (muitas vítimas de abuso não conseguem ser didáticas com quem as oprimiu), outra diferente é não querer. Muitas das feministas que possuem esse perfil apresentam uma misandria (ódio contra o masculino) em resposta à misoginia (ódio contra o feminino) que domina em nossa sociedade. Mas essa é uma resposta saudável?

Eu não vou responder se homens podem ou não ser feministas. Também vou continuar não me denominando feminista em respeito às feministas que se sentem desconfortáveis com isso. Mas ficam as considerações.

Um comentário:

  1. aMIGO, DEPENDE DA VERTENTE DO FEMINISMO NO QUAL VOCÊ ESTÁ FALANDO. HÁ TAMBÉM O FEMINISMO PROGRESSISTA, QUE CONSIDERA INCLUSIVE, AS MULHERES TRANS COMO MULHERES. GOSTEI MUITO DO SEU QUESTIONAMENTO, MAS MUITAS PESSOAS COM TENDÊNCIAS AUTORITÁRIAS TÊM A MANIA DE COLOCAR TUDO NO MESMO SACO, CRIANDO MAIS SEPARATISMO E MAIS EXCLUSÃO (PRINCIPALMENTE PARA AS PRÓPRIAS FEMINISTAS). POR MIM, POR FAVOR, SE CONSIDERE UM HOMEM FEMINISTA! ANTERIOR AO CRISTIANISMO, HAVIAM SOCIEDADES LIDERADAS POR MULHERES, SOCIEDADES AGRÍCOLAS, MATRIARCAIS, EM QUE AS MULHERES CRIAVAM E DECIDIAM. HOMENS INSATISFEITOS DECIDIRAM TOMAR O PODER COM A MAIOR VANTAGEM QUE TINHAM: A FORÇA FÍSICA, MATANDO ASSIM TODOS E TODAS QUE SE OPUNHAM A SUA TOMADA DE PODER. SE A GENTE ANALISAR A HISTÓRIA, DAS SOCIEDADES GREGAS E ROMANAS, ROMANAS COM EGÍPCIAS, VOCÊ PERCEBERÁ COMO SE DEU ESSA MUDANÇA. HÁ UM CERTO MEDO MASCULINO DE PERDER ESSE PODER, QUE PARA A MULHER É APENAS UMA LIDERANÇA, COM A QUAL ELA JÁ ESTÁ NATURALMENTE ADAPTADA (POR TER A CAPACIDADE DE SER MÃE E TOMAR DECISÕES POR UM BEM ESTAR ALÉM DO SEU PRÓPRIO - PARA MIM, ESSA ÚLTIMA DEVERIA SER A BASE DA POLÍTICA, INCLUSIVE), ENQUANTO NÓS MULHERES PERMANECEMOS NAS VELHAS LUTAS CONTRA A AGRESSÃO FÍSICA-VERBAL-SEXUAL-SOCIAL DE 200 ANOS ATRÁS. E MUITOS HOMENS AINDA DIZEM QUE RECORREMOS AO SENTIMENTALISMO, QUANDO ESTAMOS DANDO PARTE EM UMA DELEGACIA, COM O OLHO ROXO, A BOCA ENSANGUENTADA E AS ROUPAS RASGADAS, IMPLORANDO POR UM EXAME DE CORPO DE DELITO, UM B.O. E UMA MEDIDA CAUTELAR, ENQUANTO O CARA LIGA COM VOZ DE CHORO, DIZENDO PARA VOLTARMOS PARA CASA PORQUE ELE SE ARREPENDEU E SENTE MUITA SAUDADE. CONSEGUE ENTENDER O NÍVEL DE PRECARIEDADE EM QUE VIVEMOS SOCIALMENTE? ESSAS "FEMINISTAS-RADICAIS", QUE PARA MIM SÃO FEMINISTAS DE DIREITA, PARA MIM SÓ CONTRIBUEM PARA QUE A OPRESSÃO MACHISTA CONTINUE E SEJA FORTE EM NOSSA SOCIEDADE. ATUALMENTE, SE FALAMOS DE FEMINISMO EM UMA RODA DE AMIGOS, OUVIMOS PÉROLAS COMO: MULHER QUE COÇA OS ZOVO, BEBEDORA DE MENSTRUAÇÃO, MALUCA QUE ODEIA HOMENS, "VADIA", ENTRE OUTRAS BARBARIDADES. ACABAMOS POR PERDER A PACIÊNCIA TOTAL E FALAR: "AQUI, MAS É VC QUE COMPRA MEU MODESS?" MULHERES TÊM O DIREITO DE SER PELUDAS OU NÃO, USAR MODESS, COPINHO, TAMPÃO OU NADA, GOSTAR DE HOMENS OU NÃO. SÓ NÃO ACEITAMOS MAIS SERMOS AGREDIDAS, ASSEDIADAS OU MARGINALIZADAS. TEMOS QUE PENSAR PARA FRENTE, ADIANTE, SOBRE A LUTA FEMINISTA. MAS MUITAS VEZES A PRÓPRIA OPRIMIDA NÃO ACEITA O FATO DE QUE É OPRIMIDA, SACOU?

    UM FORTE ABRAÇO! SEU TEXTO FICOU MUITO BOM! TEMOS QUE FALAR SOBRE ISSO MESMO! PARABÉNS!

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